“reflectido nas pedras do passeio. Lisboa é a nitidez através do ar. Lisboa é a cor manchada dos muros. Lisboa é o musgo novo a nascer sobre o musgo seco. Lisboa é o desenho de fendas, como relâmpagos, a escorrerem pela superfície dos muros. Lisboa é a imperfeição criteriosa. Lisboa é o céu reflectido”
“O tempo faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento.”
“É possível avançar por ruas durante toda a vida, perder as forças nas pernas, cair de joelhos e morrer, transformar-se lentamente, com a chuva, com os anos, no empedrado da calçada, diluir-se entre as pedras, como pó, como água, desaparecer.”
“Dar um passo pode ser fruto de uma decisão complexa. Há a possibilidade de seguir para a direita ou para a esquerda, posso continuar em frente ou voltar para trás, desfazer. Cada escolha lançará uma cadeia de resultados. Mal comparado, é como acordar na estação Sèvres-Lecourbe e não ter mapa do metro, nunca ter estado ali, não saber sequer onde se está, não saber sequer o que é o metro. Ter de aprender tudo. Ao fim de um tempo, com sorte, conversando com pedintes cegos, tocadores de concertina, talvez se consiga chegar à conclusão que se quer ir para a estação Ourcq, esse é o lugar onde se poderá ser feliz, mas como encontrar o caminho sem mapa, sem conhecer linhas e ligações? É possível arrastar a vida inteira no metro de Paris e nunca passar por Ourcq. É também possível passar por lá e não reconhecer que é ali que se quer sair.”
“«Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.»”
“No tempo em que éramos felizes não chovia. Levantávamo-nos¬ juntos, abraçados ao sol. As manhãs eram um céu infinito. O nosso amor era as manhãs. No tempo em que éramos felizes o horizonte tocava-se com a ponta dos dedos. As marés traziam o fim da tarde e não víamos mais do que o olhar um do outro. Brincávamos e éramos crianças felizes. Às vezes ainda te espero como te esperava quando chegavas com o uniforme lindo da tua inocência. Há muito tempo que te espero. Há muito tempo que não vens.”
“Nostalgia por saber que muito provavelmente nunca mais regressaria ali. Esta constatação confrontava-me com os limites da minha própria existência, com aquilo que não terei tempo de fazer ou voltar a fazer ao longo do resto da minha vida.”
“É tão fácil comparar a vida a uma viagem. Faz tanto sentido.Viagem ou vida, chegamos sempre aqui. Como se estivéssemos no alto de uma montanha, podemos olhar em volta. Aqui é o lugar onde tudo acontece. Há serenidade nesta certeza. Tens o dever livre de aproveitá-la.Se estás a ler estas palavras é porque estás vivo.”
“Eu estava no desconhecido.Guardamos os segredos ao lado de tudo o que não dizemos. Nesse grande sotão escuro há de tudo, há aquilo que não dizemos porque temos medo, porque temos vergonha, porque não somos capazes; há aquilo que não dizemos porque desconhecemos, ignoramos mesmo, apesar de estar lá, em nós. Os segredos são assim. Eles estão lá, podemos visitá-los, assistir a eles, sabemos as palavras exactas para dizê-los e, muitas vezes, temos tanta vontade de contá-los. Mas escolhemos não o fazer.Os segredos estão dento de nós. Como tudo o que sabemos, também os segredos nos constituem. Quando os seguramos, quano somos mais fortes e os contemos, alastram-se em nós.Desde dentro, chegam à nossa pele. Depois, avançam até sermos capazes de os distinguir à nossa volta. E, no silêncio, somos capazes de os reconhecer. Então, nesse momento, já não são apenas os segredos que estão dentro de nós, somos também nós que estamos dentro dos segredos.”
“A memória como uma maldição. Caímos na eternidade e a memória é um peso, continua a prender-nos em qualquer ponto para onde nunca poderemos voltar.”
“Quando vires os teus olhos a verem-te, quando não souberes se tu és tu ou se o teu reflexo no espelho és tu, quando não conseguires distinguir-te de ti, olha para o fundo dessa pessoa que és e imagina o que aconteceria se todos soubessem aquilo que só tu sabes sobre ti.”
“Ao fixar o reflexo dos meus olhos no espelho, já me pareceu muitas vezes que está outra pessoa dentro deles. Observa-me, julga-me, mas não tem voz para se exprimir. Será talvez eu com outra idade, criança ou velho: inocente, magoado por me ver a destruir todos os seus sonhos; ou amargo, a culpar-me pela construção lenta dos seus ressentimentos. Seria melhor se tivesse palavras para dizer-me, mas não. Só aquele olhar lhe pertence. É lá que está prisioneiro.”
“há certos movimentos que apenas são possíveis depois do início da primavera. Durante a invernia, o corpo esquece-os, mingua, endurece como as árvores. Em maio, o corpo recorda esses movimentos, julga reaprendê-los e, ao fazê-lo, redescobre a sua verdadeira natureza.”
“Estar errado é mentir sem saber.”
“Tantos lugares livres para estacionar. Que pena não ter carro.”
“Havia muitos miúdos-a-caminho-de-trabalharem-na-empresa-do-pai, muitos artistas-até-se-desiludirem, muitos perdidos, muitos activistas-de-algo-que-só-eles-conheciam, muitos deslocados, muitos existencialistas e muitos neo-qualquer-coisa.”
“Cansaço. Não me era um sentimento desconhecido. Acabava sempre por cansar-me, era por isso que nunca conseguia levar até ao fim as tarefas mais trabalhosas a que me propunha.”
“Sempre gostei de procurar livros, não quero saber onde estão, basta-me saber que existem.”
“Hoje, preciso de ti. Depois de nós, nesse tempo, houve uma verdade que ficou parada nos meus olhos: alguém de quem gostamos muito, o amor, ficará nas árvores, continuará a crescer, como uma criança, dentro dos troncos e dos ramos mais finos das árvores.”
“Come stiamo correndo per le strade di Stoccolma, così corriamo dentro noi stessi. Arrivati alla meta, la distanza e il peso di questa maratona interiore saranno importanti come i chilometri di queste strade e come il calore di questo sole. mentre alzo il piede per fare un passo, l'altro piede si appoggia a terra. Se il mondo si fermasse nel momento in cui, andando avanti, ho un piede sollevato e l'altro poggiato a terra, quel piede solido che mi sostiene potrebbe mettere radici. E quelle radici potrebbero penetrare negli interstizi del terreno tra una pietra e l'altra. Ma io non lascio che il mondo si fermi. Dopo un passo, un altro, e un altro ancora.”
“Ma, quando andavo ad allenarmi, passavo per le strade correndo e nessuno poteva immaginare il mondo di parole che portavo con me. Correre è stare assolutamente soli. Lo so da sempre: nella solitudine mi è impossibile sfuggire a me stesso. Subito dopo i primi passi intorno a me si innalzano mura nere. inoffensivo, il mondo si allontana. Mentre corro, rimango fermo dentro di me, e aspetto. Sono finalmente alla mia mercé. All'inizio, avevo tredici anni e correvo perché avevo trovato il silenzio di una pace che ritenevo non appartenermi. Non sapevo ancora che era soltanto il riflesso della mia stessa pace. poi, quando la vita si complicò, era troppo tardi per riuscire a fermarsi. Correre faceva parte di me come il mio nome. Fu allora che imparai a correre contro le parole dentro di me, nello stesso modo in cui imparai a correre contro il vento.”
“Il suono del vento mi attraversa le orecchie come il ruggito dell'universo. Forse è come il rumore che si fa quando si passa dentro al tempo, quando lo si attraversa con tutto il corpo: le braccia e le gambe che attraversano il tempo, il petto che attraversa il tempo e il viso che si porta dentro tutta l'eternità.”
“Na leitura e na escrita encontramo-nos todos naquilo que temos de mais humano.”
“one day, when tenderness has become the single rule of the morning,/ I will wake in your arms. perhaps your skin will be overly gorgeous./ and the light will include the impossible understanding of love.”
“the poem doesn’t have stanzas, it has a body, the poem doesn’t have lines,/ it has blood, the poem is not written with letters, it’s written/ with grains of sand and kisses, petals and moments, shouts and/ uncertainties.”
“Beyond the clouds, above people, beneath the skin, inside people, we’re waiting for you. We see you now, as you read. We’ll see you when you stop thinking about these words. Above and inside your face, we know your secrets. We know what you hide from yourself. You can’t escape us. We hold your heart in the palm of our hand. If we like, we can squeeze it. If we like, we can crush it. There’s nothing you can do to stop us. Our gaze notices your every single move and your every single word. Say a word now. Make a move. We smile at your words, as we smile at your silence. No one will be able to protect you. No one can protect you now. You’re even less than you imagine. We’ve seen a thousand generations of men like you. It was our pleasure to let them walk on the lines of our hands. It was our pleasure to take everything away from them. We guided entire generations of men through tunnels we built that led nowhere. And when they arrived at nothing, we smiled. You’re just like them. We’re waiting for you above and inside your face. Continue on your way. Follow that line of our hand. We know where that tunnel you walk through will end. Keep on walking. We see you and smile. Beyond the clouds, we are fear. Beneath the skin, we are fear.”
“Memory is like a curse. We fall into eternity, and memory is a weight that keeps pulling us to where we can never go back to.”
“Suffering is tossed by handfuls over the multitudes, with most of it falling on some people and little or none of it on others.”
“I think: perhaps the sky is a huge sea of fresh water and we, instead of walking under it, walk on top of it; perhaps we see everything upside down and the earth is a kind of sky, so that when we die, when we die, we fall and sink into the sky.The Implacable Order of Things”
“Amor. Amor. Amor, gostava de dizer esta palavra até gastá-la ainda mais. Amor, gostava de dizer esta palavra até perder ainda mais o seu sentido. Amor. Amor. Amor, até ser uma palavra que não significa nem sequer uma ilusão, uma mentira. Amor, amor, amor, nem sequer uma mentira, nem sequer um sentimento vago e incompreensível. Amor amor amor, até ser nem sequer uma palavra banal, nem sequer a palavra mais vulgar, nem sequer uma palavra. Amoramoramor, até ao momento em que alguém diz amor e ninguém vira a cabeça para ouvir, alguém diz amor e ninguém ouve, alguém diz amor e não disse nada. Sozinho, diante da campa. O amor é a solidão.”
“na hora de pôr a mesa, éramos cinco:o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãse eu. depois, a minha irmã mais velhacasou-se. depois, a minha irmã mais novacasou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,na hora de pôr a mesa, somos cinco,menos a minha irmã mais velha que estána casa dela, menos a minha irmã maisnova que está na casa dela, menos o meupai, menos a minha mãe viúva. cada umdeles é um lugar vazio nesta mesa ondecomo sozinho. mas irão estar sempre aqui.na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.enquanto um de nós estiver vivo, seremossempre cinco”