“Pegou numa corda e pendurou-se numa figueira. Foi o mais estranho fruto daquela árvore.”
“Sabe, sargento, a loucura, quando dá a um grande número de pessoas, chama-se sociedade contemporânea. Quando dá a uma pessoa só, interna-se essa pessoa.”
“Uma relação de duas pessoas converteu-se numa de três, numa coisa mais triangular. Só uma relação que consegue formar um polígono consegue sobreviver, pensava Borja. Quando assenta em dois pontos, não resiste ao tempo, é um segmento de recta muito frágil. É um pontinho a olhar para outro pontinho, não tem a solidez do triângulo e, muito menos, da circunferência. Parte-se como um palito.”
“Rosa nunca se sente única. Isso nunca lhe acontece na vida. Todos os seus momentos são minimizados com um "isso também já me aconteceu". A vida de Rosa é partilhada por todos e não tem nada de único. Todos os seres humanos são únicos, menos Rosa. Ela pertence a todos, como o pão da missa que se divide pela humanidade.”
“Uma criança recém-nascida, julga-se infinita. Não sabe onde é que acaba, onde é que tem os seus limites. Depois, descobre os pés e fica fascinada. É um bebé que se depara com os seus limites: Ah, é então aqui que finda o meu corpo. E, aos poucos, o mundo vai-se tornando maior, porque a criança se vai tornando mais pequena: antes era tudo e agora não vá além dos pés. Vai-se contraindo. O ego vai-se arrepiando num pontinho e deixando espaço para que as coisas possam existir à sua volta. Surge o Eu e o Tu. A criança cria essa distância, e o melhor que se pode esperar é que essa distância mantenha alguma proximidade. Mas tudo isto faz parte do crescimento, tal como faz parte do encolhimento e da expansão do universo.”
“Melhoramos uma religião se o altar voltar a ser a mesa da refeição, tal como aconteceu na sua génese. Partilhar o pão para que, podendo todos ver a suas necessidades básicas cumpridas, se possam dedicar a encontrar Deus. Há dois tipos de Deus: o que nasce de barriga vazia, terroso, carnal, necessário para criar uma sensação de amparo e justiça num mundo em que não há nada disso. O segundo é um luxo, fruto de elucubrações. Não precisamos dele, mas ainda assim fazemo-lo existir. É feito de argumentos. Nasce de barrigas cheias. No primeiro acreditamos com o corpo, com o fígado, com o estômago, com os rins e com o sangue. No segundo acreditamos com a cabeça.”