“deus tem que ser substituído rapidamente por poe-mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,vivos e limpos.a dor de todas as ruas vazias.sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada destesilêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-mo.sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-bar comigo mesmo.a dor de todas as ruas vazias.mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto dodeserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte edos encontros inesperados.pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.a dor de todas as ruas vazias.pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa nocimo do mastro, e mandar arrear o velame.é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai semcadastro.a dor de todas as ruas vazias.sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. ofilme acabou. não nos conheceremos nunca.a dor de todas as ruas vazias.os poemas adormeceram no desassossego da idade.fulguram na perturbação de um tempo cada dia maiscurto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-meas imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..enada escrevo.o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - ea alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.a dor de todas as ruas vazias.”

Al Berto

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“A rua exprimia a perturbadora angústia de uma colectividade; não era um indivíduo orgulhoso a gabar-se da sua história. Era humana e grande na sua aflição por gritar a dor de toda uma multidão. E Sayed Karam assistia impotente a este grito dos homens através da matéria.”

Albert Cossery
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“(...) o peso da dor nada tem que ver com a qualidade da dor. A dor é o que se sente. Nada mais. Desisto definitivamente de me iludir com a minha força de adulto sobre o peso de uma amargura infantil. Exactamente porque toda a vida que tive sempre se me representa investida da importância que em cada momento teve. Como se eu jamais tivesse envelhecido. Exactamente porque só é fútil e ingénua a infância dos outros - quando se não é já criança.”

Vergílio Ferreira
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“Uma noite fiquei a dormir na tua cama, disse. Entendamo-nos, este homem é oleiro, trabalhador manual portanto, sem finezas de formação intelectual e artística tirando as necessárias ao exercício da sua profissão, de uma idade já mais do que madura, criou-se num tempo em que o mais corrente era terem as pessoas de sofrer, cada uma em si mesma e todas em toda a gente, as expressões do sentimento e as ansiedades do corpo, e se é certo que não seriam muitos os que no seu meio social e cultural poderiam pôr-lhe um pé adiante em matéria de sensibilidade e de inteligência, ouvir dizer assim de supetão, da boca de uma mulher com quem nunca jazera em intimidade, que dormiu, ela, na sua cama dele, por muito energicamente que estivesse a andar em direcção à casa onde o equívoco caso se produziu, por força haveria de suspender o passo, olhar com pasmo a ousada criatura, os homens, confessemo-lo de uma vez, nunca acabarão de entender as mulheres, felizmente que este conseguiu, sem saber bem como, descobrir no meio da sua confusão as palavras exactas que a ocasião pedia, Nunca mais dormirás noutra.”

José Saramago
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“- Escute mais isso. Por outro lado, forças jovens, frescas, sucumbem em vão por falta de apoio, e isso aos milhares, e isso em toda parte! Cem, mil boas ações e iniciativas que poderiam ser implementadas e reparadas com o dinheiro da velha, destinado a um mosteiro! Centenas, talvez milhares de existências encaminhadas; dezenas de famílias salvas da miséria, da desagregação, da morte, da depravação, das doenças venéreas - e tudo isso com o dinheiro dela. Mate-a e tome-lhe o dinheiro, para com sua ajuda dedicar-se depois a servir toda a humanidade e a uma causa comum: o que você acha, esse crime ínfimo não seria atenuado por milhares de boas ações? Por uma vida - milhares de vidas salvas do apodrecimento e da degeneração. Uma morte e cem vidas em troca - ora, isso é uma questão de aritimética.”

Fiodor Dostoievski
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“Cada época, cada cultura, cada costume e tradição tem seu próprio estilo, tem sua delicadeza e sua severidade, suas belezas e crueldades, aceitam certos sofrimentos como naturais, sofrem pacientemente certas desgraças. O verdadeiro sofrimento, o verdadeiro inferno da vida humana reside ali onde se chocam duas culturas ou duas religiões. Um homem da antiguidade, que tivesse de viver na Idade Média, haveria de sentir-se tão afogado quanto um selvagem se sentiria em nossa civilização. Há momentos em que toda uma geração cai entre dois estilos de vida, e toda evidência, toda moral, toda salvação e inocência ficam perdidos para ela. Naturalmente isso não nos atinge da mesma maneira. ”

Herman Hesse
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