“O álcool e as mulheres me proporcionaram, devo confessar, o único consolo de que era digno. Confio-lhe este segredo, caro amigo, e não tenha receio de valer-se dele. Compreenderá, então, que a verdadeira libertinagem é libertadora, porque não impõe qualquer obrigação. Na libertinagem, só se possui a si próprio; ela permaneceu, pois, a ocupação preferida dos grandes apaixonados por sua própria pessoa. É uma selva, sem futuro nem passado, e, sobretudo, sem promessas nem sanção imediata. Os lugares nos quais ela se exercita são separados do mundo. Deixam-se, ao entrar, tanto o medo quanto a esperança. A conversa não é obrigatória; o que se vem procurar pode ser obtido sem palavras e, muitas vezes, até sem dinheiro. Ah! Eu lhe peço, deixe-me prestar uma especial homenagem às mulheres desconhecidas e esquecidas que então me ajudaram. Ainda hoje, mistura-se à lembrança que guardei delas algo semelhante a respeito.”

Albert Camus

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“Já reparou que só a morte desperta nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabam de deixar-nos, não acha?! Como admiramos nossos mestres que já não falam mais, que estão com a boca cheia de terra! A homenagem vem, então, muito naturalmente, essa mesma homenagem que talvez tivessem esperado de nós durante a vida inteira. Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Em relação a eles, já não há obrigações. Deixam-nos livres, podemos dispor de nosso tempo, encaixar a homenagem entre o coquetel e uma doce amante: em resumo, nas horas vagas. Se nos impusessem algo, seria a memória, e nós temos a memória curta. Não é o morto recente que nós amamos em nossos amigos, o morto doloroso, nossa emoção, enfim, nós mesmos![...] É assim o homem, caro senhor, com duas faces: não consegue amar sem se amar. Observe seus vizinhos, se por acaso ocorrer um falecimento no prédio. Adormecidos em sua vidinha, e eis que morre o porteiro. Despertam imediatamente, agitam-se, informa-se, enchem-se de compaixão. Um morto no prelo e o espetáculo começa, finalmente. Eles têm necessidade de tragédia que se pode fazer? - é sua pequena transcendência, é seu aperitivo. Será, aliás, por acaso que lhe falo em porteiro? Eu tinha um, que era uma verdadeira desgraça, a maldade em pessoa, um monstro de insignificância e de rancor que faria desanimar um franciscano. Eu nem sequer lhe dirigia a palavra, mas, por sua própria existência, ele comprometia minha satisfação habitual. Morreu, e eu fui a seu enterro. Será capaz de me dizer por quê?”


“Viver, naturalmente, nunca é fácil. Continuamos fazendo os gestos que a existência impõe por muitos motivos, o primeiro dos quais é o costume. Morrer por vontade própria supõe que se reconheceu, mesmo instintivamente, o caráter ridículo desse costume, a ausência de qualquer motivo profundo para viver, o caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento. Qual é então o sentimento incalculável que priva o espírito do sono necessário para a vida? Um mundo que se pode explicar, mesmo com raciocínios errôneos, é um mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e de luzes, pelo contrário, o homem se sente um estrangeiro. É um exílio sem solução, porque está privado das lembranças de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida. Esse divórcio entre o homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo. E como todos os homens sadios já pensaram no seu próprio suicídio, pode-se reconhecer, sem maiores explicações, que há um laço direto entre tal sentimento e a aspiração ao nada.”


“O Antunes entendia estas coisas todas nas estrelas e sem ser por palavras recebidas no seu pensamento. Havia outros processos para a grande linguagem das estrelas chegar ao seu entendimento sem ser por meio das palavras. Não era só a cabeça, nem só o coração, nem só o coração e a cabeça juntos que se deixavam entrar assim pelas estrelas: era o seu corpo inteiro, ainda mais, a sua vida inteira que recebia as ordens de quem ele nunca havia pensado ser o único que lhas desse. Os astros mandam! E mandam uma coisa para cada um! E esta ordem sereníssima dos astros é uma verdadeira anarquia para a sociedade!”


“Foi então que tudo vacilou. O mar trouxe um sopro espesso e ardente. Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão, deixando chover fogo. Todo o meu ser se retesou e crispei a mão sobre o revólver. O gatilho cedeu, toquei o ventre polido da coronha e foi aí, no barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo começou. Sacudi o suor e o sol. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz. Então atirei quatro vezes ainda num corpo inerte em que as balas se enterravam sem que se desse por isso. E era como se desse quatro batidas secas na porta da desgraça.”


“O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.”


“O principal é não mentir. Quem mente para si mesmo e dá ouvido à sua própria mentira chega a tal extremo que não consegue ver nenhuma verdade em si ou naqueles que o rodeiam e, por conseguinte, perde completamente o respeito por si e pelos outros. (...) Quem mente a si próprio pode ser o primeiro a ofender-se. Às vezes, é tão agradável uma pessoa se ofender, não é verdade? O indivíduo sabe que ninguém o injuriou, que tudo não passa de simples invenção, que ele próprio mentiu e exagerou apenas para criar um quadro, para fazer de um grão uma montanha - sabe tudo e, no entanto, se ofende. Ofende-se a ponto se sentir prazer na ofensa e, desse modo, atinge o verdadeiro ódio...”