“Uma consideção que podemos fazer é a respeito da palavra "traição". De fato, examinada atentamente, ela se nos revela ambígua, não só etimológica mas também semanticamente. Sabemos que o latim tradere significava somente “entregar”. Sabemos também que os evangelhos, escolhendo esse verbo para designar o ato de Judas de entregar Jesus aos seus inimigos, carregavam-no de conotações éticas, obviamente negativas. Mas, com o tempo, o mal-entendido inicial originou outros mal-entendidos e ambiguidades: o itinerário semântico desse verbo “condenado” levou-o a significados diferentes, distantíssimos entre si e às vezes nas antípodas, literalmente opostos. “Traio” deriva do latino trado, que é composto de dois morfemas, trans e do (=dar). O prefixo trans implica passagem; de fato, todos os significados originais de trado contem a ideia de dar alguma coisa que passa de uma mão a outra. Assim, trado significa o ato de entregar nas mãos de alguém (para guarda, proteção, castigo) o ato de confiar para o governo ou o ensinamento, o dar em esposa, o vender, o confiar com palavras ou o transmitir, o narrar. Na forma reflexiva, tradere, o verbo significa abandonar-se a alguém, dedicar-se a uma atividade. O substantivo correspondente, traditio, significa “entrega”, “ensinamento”, “narração”, “transmissão de narrações”, “tradição”. Note-se que o “nomem agentis” (nome do agente) traditor significa tanto “traidor” como “quem ensina”. É bom lembrar esse duplo sentido porque provavelmente tenha algo a ensinar talvez unicamente aquele que traiu com plena e total consciência.”

Aldo Carotenuto

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“(...)é um fato que a história do Estado liberal coincide, de um lado, com o fim dos Estados confessionais e com a formação do Estado neutro ou agnóstico quanto às crenças religiosas de seus cidadãos, e, de outro lado, com o fim dos privilégios e dos vínculos feudais e com a exigência de livre disposição dos bens e da liberdade de troca que assinala o nascimento e o desenvolvimento da sociedade mercantil burguesa.Sob esse aspecto, a concepção liberal do Estado contrapôe-se às várias formas de paternalismo, segundo as quais o Estado deve tomar conta de seus súditos tal como o pai de seus filhos, posto que os súditos são considerados como perenemente menores de idade. Um dos fin a que se propõe Locke com seus 'Dois ensaios sobre o governo' é o de demonstrar que o poder civil, nascido para garantir a liberdade e a propriedade dos indivíduos que se associam com o propósito de se autogovernar é distinto do governo paterno e mais ainda do patronal.”

Norberto Bobbio
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“-- Não brinco, não. Digo apenas o que percebi. Os conhecimentos podem ser transmitidos, mas nunca a sabedoria. Podemos achá-la; podemos vivê-la; podemos consentir em que ela nos norteie; podemos fazer milagres através dela. Mas não nos é dado pronunciá-la e ensiná-la. (...) Uma percepção me veio, ó Govinda, que talvez te afigure novamente como uma brincadeira ou uma bobagem. Reza ela: "O oposto de cada verdade é igualmente verdade". Isso significa: uma verdade só poderá ser comunicada e formulada por meio de palavras, quando for unilateral. Ora, unilateral é tudo quanto possamos apanhar pelo pensamento e exprimir pela palavra. Tudo aquilo é apenas um lado das coisas, não passa de parte, carece de totalidade, está incompleto, não tem unidade. Sempre que o augusto Gautama nas suas aulas nos falava do mundo, era preciso que o subdividisse em Sansara e Nirvana, em ilusão e verdade, em sofrimento e redenção. Não se pode proceder de outra forma. Não há outro caminho para quem quiser ensinar. Mas o próprio mundo, o ser que nos rodeia e existe no nosso íntimo, não é nunca unilateral. Nenhuma criatura humana, nenhuma ação é inteiramente Sansara nem inteiramente Nirvana. Homem algum é totalmente santo ou totalmente pecador. Uma vez que facilmente nos equivocamos, temos a impressão de que o tempo seja algo real. Não, Govinda, o tempo não é real, como verifiquei em muitas ocasiões. E se o tempo não é real, não passa tampouco de ilusão aquele lapso que nos parece estender-se entre o mundo e a eternidade, entre o tormento e a bem-aventurança, entre o Bem e o Mal.”

Hermann Hesse
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“Quem nunca sofreu por amor nunca aprenderá a amar. Amar é o terror de perder o outro, é o medo do silêncio e do quarto deserto, de tudo o que se pensa sem puder falar, do que se murmura a sós sem ter a quem dizer em voz alta. É preciso sentir esse terror para saber o que é amar. E, quando enfim tudo desaba, quando o outro partiu e deixou atrás de si o silêncio e o quarto deserto por entre os escombros e a humilhação de uma felicidade desfeita, resta o orgulho de saber que se amou.”

Miguel Sousa Tavares
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“Ao contrário do que em geral se pensa, tomar uma decisão é uma das decisões mais fáceis deste mundo, como cabalmente se demonstra pelo facto de não fazermos masi nada que multiplicá-las ao longo de todo o santíssimo dia, porém, e aí esbarramos com o busílis da questão, elas sempre nos vêm a posteriori com os seus problemazinhos particulares, ou, para que fiquemos a entender-nos, com os seus rabos por esfolar, sendo o primeiro deles o nosso grau de capacidade para mantê-las e o segundo o nosso grau de vontade para realizá-las.”

José Saramago
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“Ao relacionar-se com o mundo objetivo, por intermédio de suas faculdades, o mundo exterior torna-se real para o homem, e de fato é só o “amor” que faz o homem verdadeiramente crer na realidade do mundo objetivo a ele extrínseco. Sujeito e objeto não podem ser separados . “O olho transformou-se em olho humano quando seu objeto se converteu em um objeto humano, social, criado pelo homem e a este destinado... Eles [os sentidos] se relacionam com a coisa devido a esta, mas a coisa em si mesma é uma relação humana objetiva para si própria e para o homem, e vice-versa. A necessidade e o gozo perderam, assim, seu caráter egoísta, e a natureza perdeu sua mera utilidade pelo fato de sua utilização ter-se transformado em utilização humana. (Com efeito, só posso relacionar-me de maneira humana com uma coisa quando esta se relaciona de maneira humana com o homem)”Esta última afirmação é quase exatamente a mesma feita no pensamento do budismo Zen, assim como por Goethe. De fato o pensamento de Goethe, Hegel e Marx se acha intimamente ligado ao do Zen. O que há de comum neles é a ideia do homem superar a cisão entre sujeito e objeto; o objeto é um objeto, mas no entanto cessa de ser objeto , e nesta nova abordagem o homeme se funde com o objeto, conquanto ele e o objeto continuem a ser dois. O homem ao relacionar-se humanamente com o mundo objetivo, supera a alienação de si mesmo.”

Erich Fromm
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