“Estava o estômago no mais activo de sua chilificação. Havia uma insólita claridade no meu espírito. Nenhum devaneio dos que arrombam poetas em ermos e sombras me perturbava o cozimento das pingues substâncias em que abundara o jantar. As minhas meditações eram pachorrentas, terra a terra, sem enlevos que me deslocassem da felicidade do momento para que transportarem ao passado, onde estava a saudade, ou ao futuro donde me podia estar mentido a esperança”

Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco - “Estava o estômago no mais...” 1

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“As minhas primeiras emoções tinham sido a melancolia mais pura e a compaixão mais sincera, mas na mesma proporção em que o desamparo de Bartleby crescia na minha fantasia, aquela melancolia se transformava em medo, e a compaixão, em repulsa. É tão verdadeiro e ao mesmo tempo tão terrivel o fato de que, ao vermos ou presenciarmos a miséria, os nossos melhores sentimentos são despertados até um certo ponto; mas, em certos casos especiais, não passam disso. Erram os que afirmam que é devido apenas ao egoísmo inerente ao coração humano. Na verdade, provém de uma certa impotência em remediar um mal excessivo e orgânico. Para uma pessoa sensivel, a piedade é quase sempre uma dor. Quando afinal percebe que tal piedade não significa um socorro eficaz, o bom senso compele a alma a desvencilhar-se dela. O que vi naquela manhã convenceu-me de que o escrivão era vítima de um mal inato e incurável. Eu podia dar esmolas ao seu corpo, mas o seu corpo não lhe doía; era a sua alma que sofria, e ela estava fora do meu alcance.”

Herman Melville
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“Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,Ainda que não more nela;Serei sempre... o que não nasceu para isso;Serei sempre... só o que tinha qualidades;Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,E ouviu a voz de Deus num poço tapado.Crer em mim? Não, nem em nada.”

Fernando Pessoa
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“Já repeti o antigo encantamento,E a grande Deusa aos olhos se negou. Já repeti, nas pausas do amplo vento, As orações cuja alma é um ser fecundo. Nada me o abismo deu ou o céu mostrou. Só o vento volta onde estou toda e só, E tudo dorme no confuso mundo."Outrora meu condão fadava, as sarças E a minha evocação do solo erguia Presenças concentradas das que esparsas Dormem nas formas naturais das coisas. Outrora a minha voz acontecia.Fadas e elfos, se eu chamasse, via.E as folhas da floresta eram lustrosas."Minha varinha, com que da vontadeFalava às existências essenciais,Já não conhece a minha realidade.Já, se o círculo traço, não há nada. Murmura o vento alheio extintos ais,E ao luar que sobe além dos matagaisNão sou mais do que os bosques ou a estrada."Já me falece o dom com que me amavam.Já me não torno a forma e o fim da vidaA quantos que, buscando-os, me buscavam.Já, praia, o mar dos braços não me inunda.Nem já me vejo ao sol saudado ergUida,Ou, em êxtase mágico perdida, Ao luar, à boca da caverna funda."Já as sacras potências infernais,Que, dormentes sem deuses nem destino,À substância das coisas são iguais,Não ouvem minha voz ou os nomes seus. A música partiu-se do meu hino.Já meu furor astral não é divinoNem meu corpo pensado é já um deus."E as longínquas deidades do atro poço, Que tantas vezes, pálida, evoqueiCom a raiva de amar em alvoroço, lnevocadas hoje ante mim estão.Como, sem que as amasse, eu as chamei, Agora, que não amo, as tenho, e seiQue meu vendido ser consumirão."Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa, Tu, Lua, cuja prata converti,Se já não podeis dar-me essa belezaQue tantas vezes tive por querer,Ao menos meu ser findo dividi Meu ser essencial se perca em si,Só meu corpo sem mim fique alma e ser!"Converta-me a minha última magiaNuma estátua de mim em corpo vivo! Morra quem sou, mas quem me fiz e havia, Anônima presença que se beija,Carne do meu abstrato amor cativo,Seja a morte de mim em que revivo;E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!”

Fernando Pessoa
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“Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»... Leva onde? leva para onde? leva para quê? Seria triste despertá-los da sombra com uma pergunta como esta... Fala assim um materialista, porque todo o homem que fala assim é, ainda que subconscientemente, materialista. O que é que ele pensa levar da vida, e de que maneira? Para onde leva as costoletas de porco e o vinho tinto e a rapariga casual? Para que céu em que não crê? Para que terra para onde não leva senão a podridão que toda a sua vida foi de latente? Não conheço frase mais trágica nem mais plenamente reveladora da humanidade humana. Assim diriam as plantas se soubessem conhecer que gozam do sol. Assim diriam dos seus prazeres sonâmbulos os bichos inferiores ao homem na expressão de si mesmos.”

Fernando Pessoa
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“De repente, senti como se a terra estivesse escorregando debaixo de mim e o céu estava expandindo e recuando. Algum momento depois eu experenciei uma força terrível que brotava da base do meu corpo como uma explosão atômica. Eu senti que eu estava vibrando muito rápido, as correntes de luzes eram terríveis. Eu experenciei a suprema bem aventurança, como o clímax do desejo de um homem, e isso continuou por longo tempo. Todo o meu corpo estava se contraindo, até que o sentimento de prazer tornou-se bastante insuportável e eu perdi completamente a consciência de meu corpo.”

Satyananda Saraswati
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