“Eu comparo o cair das alturas do coração à queda que se dá dum garboso cavalo: quem nos vê cair pode ser que nos deplore; mas decerto não nos acha ridículos. Ora, o cair da baixeza dos cálculos racionais é coisa que faz riso aos outros, e por isso muito comparável ao tombo que damos dum ignóbil burro.”
“A vida às vezes dá-nos mais do que um pontapé… dá-nos um coice e espera que nos mantenhamos a andar. Todos à nossa volta o esperam. Cobram-nos que sejamos fortes quando tudo o que queremos é poder cair.”
“É o que têm os segredos, acabam por nos enlouquecer. Mas enlouquecem-nos mesmo. Isolam-nos dos outros. Separam-nos da nossa tribo. Acabam por nos destruir. A não ser que uma pessoa seja forte. A não ser que uma pessoa seja muito, muito forte.”
“E é, em suma, uma forma como outra qualquer de resolver o problema da existência, esta de nos aproximarmos das coisas e das pessoas que de longe nos pareceram belas e misteriosas o suficiente para verificarmos que não têm mistério nem beleza; é uma das higienes entre as quais podemos optar, uma higiene que talvez não seja muito recomendável, mas que nos dá uma certa calma para passarmos a vida, e também para nos resignarmos à morte - pois que permite que não lamentemos nada ao persuadir-nos de que atingimos o melhor, e de que o melhor não era grande coisa.”
“Se nós retemos na memória aquilo que nos lembramos, e se nos é impossível, ao ouvir a palavra esquecimento, compreender o que ela significa, a não ser que nos lembremos, conclui-se que a memória retém o esquecimento.”
“A maioria das pessoas não tem qualquer interesse real em conhecer a verdade das coisas (mesmo que digam ou finjam o contrário), como se pode constatar facilmente a partir da forma como pensam e vivem as suas vidas. A atitude natural mais comum entre os seres humanos relativamente às questões fundamentais, ou bem que consiste em assumir inconscientemente tê-las resolvido a priori, ou então em acreditar comodamente que não têm solução, sem qualquer necessidade de uma justificação racional e objectiva para o efeito, como se a verdade fosse uma questão de gosto, opinião ou preferência pessoal, ou como se se tratasse de uma escolha subjectiva que cada um livremente pudesse fazer à medida dos seus desejos, interesses e necessidades, e não objecto de uma descoberta racional e objectiva que todos devem fazer, se quiserem realmente saber a verdade. É por isso que questões como a da existência de Deus ou do sentido da vida ficam assim sujeitas ao capricho arbitrário da subjectividade pessoal, das crenças e opiniões particulares, preferindo uns acreditar que sim e outros que não, uns numa coisa e outros noutra, muitas vezes pelas mesmíssimas razões, porque dá jeito e é preciso acreditar em alguma coisa que nos dê certezas e a segurança ilusória de que sabemos muito bem quem somos, donde vimos, para onde vamos e o que fazemos aqui. É claro que isto pode resolver o problema subjectivo de acreditar ou não naquilo que nos convém, mas não resolve o problema objectivo de saber qual é afinal a verdade das coisas.”