“Fiquei ali, com o corpo moído e doído, as lágrimas correndo pelo meu rosto, às vezes chegando aos meus lábios, me fazendo sentir seu gosto salgado. Em minha cabeça, eu tinha apenas fantasias. Um monte de situações imaginárias em que eu acabava com meu pai, em que eu fazia que nem se faz com um inseto asqueroso.”
“Muita gente fala que é preciso aprender com o exemplo dos pais e dos professores e coisa e tal. Pode até ser! Não foi o que aconteceu comigo, mas pode ser! Só acho que estão deixando de colocar um fator importante nessa soma de quem nos influencia. Algumas vezes, para um garoto encontrar o caminho certo, é preciso que seu guia, seu modelo inspirador, seja como um reflexo dele mesmo no espelho, alguém com quem consiga se identificar de fato, entende? Refiro-me a se identificar principalmente nessa coisa da idade.”
“Eu chorei para valer, sem tentar bancar o durão, segurando aquelas folhas que se molhavam com minhas lágrimas, as letras ficando borradas. Palavras que me fizeram conhecer a forma mais louvável de amor: aquele que se dá a quem dele tanto necessita, bem no instante desesperado da necessidade.”
“Acabei aprendendo que a gente sempre verá alguém reagindo de um jeito diferente, conforme o sentido que uma palavra ganhe na cabeça dessa pessoa. Para você, A pode significar apenas A; já um outro pode entender que A é o que vem antes de B, C e D. Você pode olhar para o copo com água até a metade e achar que está meio cheio, outro pode ver o mesmo copo e pensar que ele está meio vazio. E cada um vai reagir de acordo com o sentido que dá para cada coisa na vida.”
“As palavras em si mesmas não são nada. São apenas letrinhas agrupadas ou um monte de sons combinados de uma certa maneira, mas que não fazem nenhum sentido por si mesmos. É a gente que dá sentido às palavras. Está tudo em nossa cabeça, nos pequenos detalhes de como as coisas funcionam dentro dela. É só uma questão de como as coisas se processam no cérebro de uma pessoa e de outra, entende?”
“A única coisa que havia ali dentro era uma cama sem colchão, que ele olhava fixamente. Em cima dela, sua mãe teria chorado e tremido de medo. Em cima dela, teria lamentado sua vida, sofrido as dores do ventre e as do coração. Em cima dela, sua mãe teria conhecido sua desimportância, teria entendido que o mundo podia muito bem continuar sem ela. Em cima dela, sua mãe talvez tivesse desejado morrer. Enfim, em cima daquela cama, sua mãe acabou tendo seu encontro fatal com a morte. E, diante dela, se encontrava agora a explicação para toda aquela dor.”
“A questão é: você já reparou como nós esmagamos uma barata numa boa e não sentimos remorso nenhum, apesar de estarmos na realidade exterminando uma vida? Pois é. Fazemos isso porque não nos identificamos com a barata. Porque ela é muito diferente de nós. [...] Pensando por esse lado, acho que algumas pessoas às vezes tendem a fazer do mesmo jeito com relação a outras. Ou seja, elas veem com distanciamento aqueles com quem não se identificam logo de cara, entende? É como se o estranho, que não faz parte do mesmo grupo que nós, fosse visto como um ser inferior... Quase uma barata!”