“Retrato de Mulher Triste Vestiu-se para um baile que não há.Sentou-se com suas últimas jóias.E olha para o lado, imóvel.Está vendo os salões que se acabaram,embala-se em valsas que não dançou,levemente sorri para um homem.O homem que não existiu.Se alguém lhe disser que sonha,levantará com desdém o arco das sobrancelhas,Pois jamais se viveu com tanta plenitude.Mas para falar de sua vidatem de abaixar as quase infantis pestanas,e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.”
“Renova-te.Renasce em ti mesmo.Multiplica os teus olhos, para verem mais.Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.Destrói os olhos que tiverem visto.Cria outros, para as visões novas.Destrói os braços que tiverem semeado,Para se esquecerem de colher.Sê sempre o mesmo.Sempre outro. Mas sempre alto.Sempre longe.E dentro de tudo.”
“Criança Cabecinha boa de menino triste,de menino triste que sofre sozinho,que sozinho sofre, — e resiste,Cabecinha boa de menino ausente,que de sofrer tanto se fez pensativo,e não sabe mais o que sente...Cabecinha boa de menino mudoque não teve nada, que não pediu nada,pelo medo de perder tudo.Cabecinha boa de menino santoque do alto se inclina sobre a água do mundopara mirar seu desencanto.Para ver passar numa onda lenta e friaa estrela perdida da felicidadeque soube que não possuiria.”
“No dia em que for possível à mulher amar na totalidade, não na sua fraqueza, não para fugir de si mesma mas para se encontrar, não para se demitir mas para se afirmar, nesse dia o amor tornar-se-á para ela, como para o homem, fonte de vida e não perigo mortal”
“Como se Morre de Velhice Como se morre de velhiceou de acidente ou de doença,morro, Senhor, de indiferença.Da indiferença deste mundoonde o que se sente e se pensanão tem eco, na ausência imensa.Na ausência, areia movediçaonde se escreve igual sentençapara o que é vencido e o que vença.Salva-me, Senhor, do horizontesem estímulo ou recompensaonde o amor equivale à ofensa.De boca amarga e de alma tristesinto a minha própria presençanum céu de loucura suspensa.(Já não se morre de velhicenem de acidente nem de doença,mas, Senhor, só de indiferença.)”
“Cântico IINão sejas o de hoje.Não suspires por ontens...não queiras ser o de amanhã.Faze-te sem limites no tempo.Vê a tua vida em todas as origens.Em todas as existências.Em todas as mortes.E sabes que serás assim para sempre.Não queiras marcar a tua passagem.Ela prossegue:É a passagem que se continua.É a tua eternidade.És tu”
“Onde é que dói na minha vida,para que eu me sinta tão mal?quem foi que me deixou feridade ferimento tão mortal?Eu parei diante da paisagem:e levava uma flor na mão.Eu parei diante da paisagemprocurando um nome de imagempara dar à minha canção.Nunca existiu sonho tão purocomo o da minha timidez.Nunca existiu sonho tão puro,nem também destino tão durocomo o que para mim se fez.Estou caída num vale aberto,entre serras que não têm fim.Estou caída num vale aberto:nunca ninguém passará perto,nem terá notícias de mim.Eu sinto que não tarda a morte,e só há por mim esta flor;eu sinto que não tarda a mortee não sei como é que suportetanta solidão sem pavor.E sofro mais ouvindo um rioque ao longe canta pelo chão,que deve ser límpido e frio,mas sem dó nem recordação,como a voz cujo murmúriomorrerá com o meu coração...”