“A vulgaridade é um lar. O quotidiano é materno. Depois de uma incursão larga na grande poesia, aos montes da aspiração sublime, aos penhascos do transcendente e do oculto, sabe melhor que bem, sabe a tudo quanto é quente na vida, regressar à estalagem onde riem os parvos felizes, beber com eles, parvo também, como Deus nos fez, contente do universo que nos foi dado e deixando o mais aos que trepam montanhas para não fazer nada lá no alto.”
“E é, em suma, uma forma como outra qualquer de resolver o problema da existência, esta de nos aproximarmos das coisas e das pessoas que de longe nos pareceram belas e misteriosas o suficiente para verificarmos que não têm mistério nem beleza; é uma das higienes entre as quais podemos optar, uma higiene que talvez não seja muito recomendável, mas que nos dá uma certa calma para passarmos a vida, e também para nos resignarmos à morte - pois que permite que não lamentemos nada ao persuadir-nos de que atingimos o melhor, e de que o melhor não era grande coisa.”
“Uma criança recém-nascida, julga-se infinita. Não sabe onde é que acaba, onde é que tem os seus limites. Depois, descobre os pés e fica fascinada. É um bebé que se depara com os seus limites: Ah, é então aqui que finda o meu corpo. E, aos poucos, o mundo vai-se tornando maior, porque a criança se vai tornando mais pequena: antes era tudo e agora não vá além dos pés. Vai-se contraindo. O ego vai-se arrepiando num pontinho e deixando espaço para que as coisas possam existir à sua volta. Surge o Eu e o Tu. A criança cria essa distância, e o melhor que se pode esperar é que essa distância mantenha alguma proximidade. Mas tudo isto faz parte do crescimento, tal como faz parte do encolhimento e da expansão do universo.”
“E por isso acreditava também na grande responsabilidade do livre-arbítrio. Se não houvesse livre-arbítrio, o homem não seria nada, não poderia aspirar a nenhuma dignidade, pois que não teria responsabilidade de que, se queremos que o mundo melhore, devemos fazer por onde ele melhore, já que o mundo é nosso, é do homem e a ele foi dado. Não se pode querer que Deus resolva os problemas do homem, porque, se o fizesse, retiraria do homem a responsabilidade e, por consequência, o livre-arbítrio.”
“É no ácido desoxirribonucleico que devem procurar os vossos segredos. O homem é que é um Deus e no centro do universo tem um ácido impronunciável que, na verdade, é a abreviatura de uma das palavras mais longas do mundo, o nosso próprio nome, um código feito com quatro blocos, quatro letras, e que nos define enquanto persona, que nos caracteriza o Eu. O nosso Deus abscôndito não passa de um ácido.”
“"Ter medo de errar é um erro. É sempre um erro. E é o único erro que não tem perdão. Sou maravilhado por quem erra. Por quem sabe que, por fazer, por tentar, pode errar. E são as melhores pessoas, convence-te disso, quem mais erra. São as pessoas que vão aos limites (e os ultrapassam sempre que lá chegam), que se testam como se não houvesse amanhã, como se o agora fosse tudo o que há para haver. E é: o agora é tudo o que há para haver.”