“Cansado do universo e sociedade,Da abstracção que não finda o que é fundoDo meu fatal pôr-olhos sobre o mundo,Pobre de amor e rico de ansiedade,Já nada me seduz nem me persuade.”
“Já repeti o antigo encantamento,E a grande Deusa aos olhos se negou. Já repeti, nas pausas do amplo vento, As orações cuja alma é um ser fecundo. Nada me o abismo deu ou o céu mostrou. Só o vento volta onde estou toda e só, E tudo dorme no confuso mundo."Outrora meu condão fadava, as sarças E a minha evocação do solo erguia Presenças concentradas das que esparsas Dormem nas formas naturais das coisas. Outrora a minha voz acontecia.Fadas e elfos, se eu chamasse, via.E as folhas da floresta eram lustrosas."Minha varinha, com que da vontadeFalava às existências essenciais,Já não conhece a minha realidade.Já, se o círculo traço, não há nada. Murmura o vento alheio extintos ais,E ao luar que sobe além dos matagaisNão sou mais do que os bosques ou a estrada."Já me falece o dom com que me amavam.Já me não torno a forma e o fim da vidaA quantos que, buscando-os, me buscavam.Já, praia, o mar dos braços não me inunda.Nem já me vejo ao sol saudado ergUida,Ou, em êxtase mágico perdida, Ao luar, à boca da caverna funda."Já as sacras potências infernais,Que, dormentes sem deuses nem destino,À substância das coisas são iguais,Não ouvem minha voz ou os nomes seus. A música partiu-se do meu hino.Já meu furor astral não é divinoNem meu corpo pensado é já um deus."E as longínquas deidades do atro poço, Que tantas vezes, pálida, evoqueiCom a raiva de amar em alvoroço, lnevocadas hoje ante mim estão.Como, sem que as amasse, eu as chamei, Agora, que não amo, as tenho, e seiQue meu vendido ser consumirão."Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa, Tu, Lua, cuja prata converti,Se já não podeis dar-me essa belezaQue tantas vezes tive por querer,Ao menos meu ser findo dividi Meu ser essencial se perca em si,Só meu corpo sem mim fique alma e ser!"Converta-me a minha última magiaNuma estátua de mim em corpo vivo! Morra quem sou, mas quem me fiz e havia, Anônima presença que se beija,Carne do meu abstrato amor cativo,Seja a morte de mim em que revivo;E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!”
“Mestre, meu mestre querido!Coração do meu corpo intelectual e inteiro!Vida da origem da minha inspiração!Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,Alma abstrata e visual até aos ossos,Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,Espírito humano da terra materna,Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva...Mestre, meu mestre!Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos,Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!Meu mestre e meu guia!A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,Natural como um dia mostrando tudo,Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.Meu coração não aprendeu nada.Meu coração não é nada,Meu coração está perdido.Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado,Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relentoPela indiferença de toda a vila.Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista,Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara?Por que é que me chamaste para o alto dos montesSe eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer delaComo quem está carregado de ouro num deserto,Ou canta com voz divina entre ruínas?Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma,Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquelePoeta decadente, estupidamente pretensioso,Que poderia ao menos vir a agradar,E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!Feliz o homem marçanoQue tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,Que tem a sua vida usual,Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,Que dorme sono,Que come comida,Que bebe bebida, e por isso tem alegria.A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.”
“Passa uma borboleta por diante de mim E pela primeira vez no Universo eu reparo Que as borboletas não têm cor nem movimento, Assim como as flores não têm perfume nem cor. A cor é que tem cor nas asas da borboleta, No movimento da borboleta o movimento é que se move, O perfume é que tem perfume no perfume da flor. A borboleta é apenas borboleta E a flor é apenas flor.”
“O resto é a vida que nos deixa, a chama que morre no nosso olhar, a púrpura gasta antes de a vestirmos, a lua que vela o nosso abandono, as estrelas que estendem o seu silêncio sobre a nossa hora de desengano. Assídua a mágoa estéril e amiga que nos aperta o peito com amor.(Meu destino é a decadência)”
“Não sou, como disse Goethe, o espírito que nega, mas o espírito que contraria. (...) Porque contrariar actos, por maus que sejam, é estorvar o giro do mundo, que é acção. Mas contrariar ideias é fazer com que se abandonem, e se caia no desalento e de aí no sonho e portanto se pertença ao mundo”
“Sem a loucura que é o homemMais que a besta sadia,Cadáver adiado que procria?"O sonho é ver as formas invisíveisDa distância imprecisa, e, com sensíveisMovimentos da esp'rança e da vontade,Buscar na linha fria do horizonteA árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -Os beijos merecidos da Verdade. "(...)Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quere passar além do BojadorTem que passar além da dor. "Triste de quem é feliz!Vive porque a vida dura.Nada na alma lhe dizMais que a lição da raiz -Ter por vida a sepultura."Ser descontente é ser homem. "Tenho meus olhos quentes de água. "'Screvo meu livro à beira-mágoa. "Quando, meu Sonho e meu Senhor?”