“Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia.”
“Esse é um dos paradoxos mais tristes da minha vida: quase tudo o que tenho escrito, foi escrito para alguém que não me pode ler, e mesmo este livro não passa de uma carta para uma sombra [22].”
“Isso não é amor. Eu já estive apaixonado, mas isso não é a mesma coisa. Não se trata de um sentimento meu, mas de uma força exterior que se apoderou de mim. Veja, eu fugi porque decidi que tal coisa não poderia acontecer, entende, como uma felicidade que não pode existir na terra; mas lutei contra mim mesmo e vejo que sem isso não existe vida.”
“É curioso: tenho notado que as pessoas em geral simpatizam comigo à primeira vista. No entanto, sou um tipo arisco e distante. Não que eu queira mal aos homens ou que os tema a ponto de procurar fugir-lhes ao contato. Alguém já disse que na minha atitude para com o mundo há muito de orgulho. Engano. Não tenho atitude nem orgulho. Uma paisagem bela tem a força de me comover até as lágrimas. Mas a paisagem humana é a que mais me interessa. O mistério das almas me seduz. Esta vaga sensação de desconfiança que me envolve quando estou em companhia dos homens vai por conta de velhas decepções.”
“(...) houve um excesso de melodrama na minha vida, e daria tudo para conservar a paz e a tranquilidade conquistadas. A Felicidade não é uma coisa concreta – é uma qualidade do pensamento, um estado de espírito. Claro que temos os nossos momentos de depressão; mas outros momentos há, também, em que o tempo não é medido pelo relógio e se prolonga pela eternidade. Então, vendo-o sorrir para mim, sei que estamos juntos, que marchamos lado a lado, sem divergências de alma. (...)”
“Houve um poeta que me disse que o mundo, tal como está, pode matar. Não vou deixar que isso aconteça, sei bem que tenho uns ferros no coração e que de repente posso começar a escorregar para dentro de mim mesmo. Então não se consegue parar. Foi isso mesmo que o Zeca Afonso disse no ouvido da mulher quando estava a morrer: Não consigo parar. Sei perfeitamente o que ele queria dizer. Mas não vou deixar que o mundo, tal como está, dê cabo de mim. Tenho as minhas canas de pesca e as minhas espingardas. É sempre possível ir aos robalos, dar uns tiros. Ou então pegar na caneta e vir para aqui falar contigo. Um cão nunca abandona o dono. Mesmo que não te veja sei que estás aí: é quanto me chega. As minhas armas e eu. O meu cão e eu.”