“Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»... Leva onde? leva para onde? leva para quê? Seria triste despertá-los da sombra com uma pergunta como esta... Fala assim um materialista, porque todo o homem que fala assim é, ainda que subconscientemente, materialista. O que é que ele pensa levar da vida, e de que maneira? Para onde leva as costoletas de porco e o vinho tinto e a rapariga casual? Para que céu em que não crê? Para que terra para onde não leva senão a podridão que toda a sua vida foi de latente? Não conheço frase mais trágica nem mais plenamente reveladora da humanidade humana. Assim diriam as plantas se soubessem conhecer que gozam do sol. Assim diriam dos seus prazeres sonâmbulos os bichos inferiores ao homem na expressão de si mesmos.”
“De que serve uma vida vivida como se não fizesse qualquer diferença para a grande vida do mundo? Não consigo imaginar coisa mais triste. Porque não haveria uma mãe de dizer de si para si, se criar bem esta criança, se a amar e proteger, ela trará alegria aos qye a rodeiam e assim terei mudado o mundo? Porque não haveria o lavrador que planta uma semente de dizer ao vizinho, esta semente que planto hoje irá alimentar alguém, e é assim que hoje mudo o mundo?”
“A mulher não tem forças para acompanhar o homem além dos limites normais traçados à espécie. E o gênio é o herói infeliz, que leva para a esfera dos arcanjos, onde deve conviver, os desejos e os instintos humanos, que os arcanjos, seus irmãos, não conhecem. Do alto, fica, pois, a acenar à sua companheira, mas ela não o compreende e não pode amá-lo. Sente por ele a revolta da própria inferioridade. E eis por que são infelizes no amor todos os gênios e todos os heróis.”
“Onde terá ficado aquela criança que apenas conhece da fotografia e cuja memória há muito se perdeu na sedimentação dos dias? Não se recorda quando se separaram. Quando um deixou de ser o outro. Onde está nele aquela criança? O homem que é hoje é o resultado de todos os dias daquela criança? E se os dias tivessem sido outros, seria outro homem? Se ele pudesse apagar alguns dias, seriam todos os outros suficientes para para ele ser quem hoje é? Apagar alguns dias. Apagar um dia, que fosse aquele dia. Será o homem apenas o conjunto das suas memórias ou será antes a soma de todos os seus esquecimentos?”
“(...) cada homem é árbitro de suas próprias virtudes, mas homem algum deve prescrever o que é bom para outro homem; e eu: temporariamente; e ele: foi a palavra mais triste de todas, nada mais no mundo não é desespero até que seja tempo, nem mesmo o tempo, até que foi.”
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”