“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”
“O fogo é um preciso aliado do homem mas é perigos para uma criança que não o saiba utilizar. Passa-se o mesmo com certos conhecimentos. À escala da humanidade os homens não são mais do que crianças, olhai o nosso mundo e vede como nos falta educação.”
“Quantos metros precisamos percorrer, quantos dias devemos esperar, em que momento da nossa vida irá se realizar o nosso maior sonho e, uma vez realizado, teremos sensibilidade para identificá-lo? O nosso desejo mais secreto quase sempre é secreto até para nós mesmos.”
“«Andar a pé por uma cidade antiquíssima, como Lisboa, é meio-caminho andado para se sentir uma tristeza profunda pela efemeridade do nosso próprio mundo: onde estão os nossos sítios, os nossos mortos, esses pontos de contacto entre o nosso coração e o território? Como continuar a caminhar, quando grande parte do que amámos já se foi embora? Quem estuda a história não se pode dar ao luxo de ser nostálgico, mas eu não sou historiador, sou escritor e por isso posso ser nostálgico à vontade. E nem toda a tristeza é má. Continuam perto de nós, essas âncoras de osso e pedra, de palavra e memória - camufladas no território, como um vasto sistema nervoso sob os músculos. Continua-se a caminhar, porque o território é tudo o que existe: é tudo o que sempre existiu e continuará a existir; mesmo depois das mortes daqueles de quem gostamos e da ruína dos locais onde vivemos. Somos sílabas e iluminuras num texto redigido pelo tempo sobre a terra que nos viu nascer, como tinta sobre um pedaço de papel. Nós secamos, como a tinta - embaciamos. O território fica - mas nós ficamos nele. Ressequidos. Translúcidos. Como folhas mortas. Não há nada mais para além disso.»”
“Deus fez-nos cheios de buracos na alma e o nosso dever é tapá-los todos para navegar. O homem é um bêbedo sempre encostado à parede ou uma criança a fazer tem-tem. Toda a grandeza é um investimento em nós próprios e é por isso que os grandes têm uma grande solidão.”