“Porque será que estamos condenados a ser assim tão solitários? Qual a razão de tudo isto? Há tanta gente, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros e, contudo, todos irremediavelmente afastados. Porquê? Continuará a Terra a girar unicamente para alimentar a solidão dos homens?”
“Mas, vendo bem, e se me é permitido um lugar-comum corriqueiro, não será que até as coisas inúteis têm cabimento neste mundo longe-de-ser-perfeito? Se desta vida imperfeita eliminássemos tudo o que é inútil, a imperfeição deixaria ela própria de fazer sentido.”
“E assim prosseguimos com as nossas vidas, cada um para seu lado. Por mais profunda e fatal que seja a perda, por mais importante que seja aquilo que a vida nos roubou – arrebatando-o das nossas mãos -, e ainda que nos tenhamos convertido em pessoas completamente diferentes, conservando apenas a mesma fina camada exterior de pele, apesar de tudo isso continuamos a viver as nossas vidas, assim, em silêncio, estendendo a mão para chegar ao fio dos dias que nos coube em sorte, para logo o deixarmos irremediavelmente para trás. Repetindo, muitas vezes, de forma particularmente hábil, o trabalho de todos os dias, deixando na nossa esteira um sentimento de um incomensurável vazio.”
“O Crisóstomo disse ao Camilo: todos nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se os nossos mil pais e mais as nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós.”
“Se chove, as plantas florescem; se não há chuva, secam e morrem. Os insectos são comidos pelas lagartixas, por sua vez devoradas pelos pássaros. Todos acabam por morrer e, depois de mortos, ficam ressequidos. Uma geração desaparece, outra toma o seu lugar. É assim que as coisas se passam. Há muitas maneiras de viver. Há muitas maneiras de morrer. Isso, porém, não tem qualquer importância. No fim, fica apenas o deserto. Só o deserto permanece verdadeiramente vivo.”
“Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcão. Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu. Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar, mergulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta à outra.”
“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. (A hora da estrela)”