“Epitáfio /J.L.Borges (?)Já somos a ausência que seremos.O pó elementar que nos ignora,que foi o rubro Adão, e que é agoratodos os homens, e que não veremos.Já somos sobre a campa as duas datasdo início e do fim. O ataúde,a obscena corrupção que nos desnude,o pranto, e da morte suas bravatas.Não sou o insensato que se aferraao som encantatório do seu nome.Penso com esperança em certo homemque não há de saber o que eu fui na terra.Sob o cruel azul do firmamentoconsolo encontro neste pensamento [277].”
“No dia de sua morte, minha avó entregou ao meu pai o relógio de bolso do senhor arcebispo, de ouro maciço, marca Ferrocarril de Antioquia, mas fabricado na Suíça, que conservo até hoje e que passará ao meu filho, como um testemunho e um estandarte (embora eu não saiba do quê), no dia em que eu morrer [60].”
“Esse é um dos paradoxos mais tristes da minha vida: quase tudo o que tenho escrito, foi escrito para alguém que não me pode ler, e mesmo este livro não passa de uma carta para uma sombra [22].”
“Chegando a qualquer nova cidade o viajante reencontra o seu passado que já não sabia que tinha: a estranheza do que já não somos ou já não possuímos espera-nos ao caminho nos lugares estranhos e não possuídos.”
“Cada um de nós tem dentro de si alguma coisa que não pode ser negada, ainda que nos faça grita, gritar, até ao fim. Somos o que somos, e pronto. Como a velha lenda celta do pássaro com o espinho no peito que canta até morrer, porque precisa de fazê-lo, porque é levado a isso. Podemos saber que vamos errar até antes de cometermos o erro, mas o conhecimento de nós mesmos não afecta nem altera o resultado. Cada qual entoa o seu cântico, convencido de que é o mais maravilhoso que o mundo já ouviu. Não vês? Criámos os nossos espinhos e nunca nos detivemos para avaliar o custo. A única coisa que podemos fazer é sofrer a dor e dizer intimamente que valeu a pena.”
“O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.”
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”