“Esse é um dos paradoxos mais tristes da minha vida: quase tudo o que tenho escrito, foi escrito para alguém que não me pode ler, e mesmo este livro não passa de uma carta para uma sombra [22].”
“O futuro de Portugal - que não calculo, mas sei - está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas de Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé?”
“Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia.”
“Quantas vezes os tenho ouvido dizer a mesma frase que simboliza todo o absurdo, todo o nada, toda a insciência falada das suas vidas. É aquela frase que usam de qualquer prazer material: «é o que a gente leva desta vida»... Leva onde? leva para onde? leva para quê? Seria triste despertá-los da sombra com uma pergunta como esta... Fala assim um materialista, porque todo o homem que fala assim é, ainda que subconscientemente, materialista. O que é que ele pensa levar da vida, e de que maneira? Para onde leva as costoletas de porco e o vinho tinto e a rapariga casual? Para que céu em que não crê? Para que terra para onde não leva senão a podridão que toda a sua vida foi de latente? Não conheço frase mais trágica nem mais plenamente reveladora da humanidade humana. Assim diriam as plantas se soubessem conhecer que gozam do sol. Assim diriam dos seus prazeres sonâmbulos os bichos inferiores ao homem na expressão de si mesmos.”
“Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito.”
“Será que considero esta inquietação, este desvario, como uma doença - ou como um talento? Como ambos? Pode ser. Ou será que é apenas um meio de fuga? Olhe, pelo menos não me encontro casado, aos trinta e poucos, com uma criatura decente, cujo corpo deixou de ter para mim qualquer interesse genuíno - pelo menos não tenho de ir para cama todas as noites com alguém que vez por outra marreto por obrigação, ao invés de desejo. Quero referir-me à horrenda depressão que algumas pessoas experimentam na hora de ir para a cama...Por outro lado, mesmo eu devo admitir que talvez exista, de uma certa perspectiva, algo um tanto deprimente quanto à minha situação, também. É claro que não posso ter tudo; é o que me parece. A questão, porém, que desejo enfrentar é: tenho eu alguma coisa?”