“Quem terá sido o granda maricas que inventou os sapatos? E depois de inventar os sapatos, depois de os fazer e de os calçar, onde é que ele passou a ir que não ia dantes? Que mundo de oportunidades é que se lhe abriu? Nenhum. Zero. Um gajo percebe que se tenham inventado barcos, muito bem. Carros, sim, senhor. Aviões, fantástico. Agora, sapatos? Os pés é que passaram a perder capacidades. E o cabrão do maricas ganhou um negócio, claro está.”
“Onde terá ficado aquela criança que apenas conhece da fotografia e cuja memória há muito se perdeu na sedimentação dos dias? Não se recorda quando se separaram. Quando um deixou de ser o outro. Onde está nele aquela criança? O homem que é hoje é o resultado de todos os dias daquela criança? E se os dias tivessem sido outros, seria outro homem? Se ele pudesse apagar alguns dias, seriam todos os outros suficientes para para ele ser quem hoje é? Apagar alguns dias. Apagar um dia, que fosse aquele dia. Será o homem apenas o conjunto das suas memórias ou será antes a soma de todos os seus esquecimentos?”
“Já agora creio que não basta que os pregões de rua, como os opúsculos de seminário, encerrem casos, pessoas e sensações; é preciso que a gente os tenha conhecido e padecido no tempo, sem o que tudo é calado e incolor.”
“Sentia atração pelo que se denomina tipos fracassados, disse. Mas, que é, disse, um fracassado? Um homem que não tem, talvez, todos os dons, mas muitos, inclusive bem mais do que os comuns em certos homens de sucesso. Tem esses dons, disse, e não os explora. Ele os destrói. De modo, disse, que na realidade destrói sua vida.”
“É preciso que todos os que lidam comigo se convençam de que sou assim, e que exigir-me os sentimentos, aliás muito dignos, de um homem vulgar e banal, é como exigir-me que tenha olhos azuis e cabelo louro.”
“... um fazedor de versos que deixou a sua parte de loucura no mundo, é essa a grande diferença que há entre os poetas e os doidos, o destino da loucura que os tomou.”