“A superstição perniciosa generalizada é que é preciso deletar o anterior, para aceitar o novo. Que pobreza, que pobreza, que pobreza, que atraso! Se a memória aceita, se o perfil confere, se a senha foi dada, roda os dois programas ao mesmo tempo, roda os três, roda os vinte, porra!”
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
“Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.O que for, quando for, é que será o que é.”
“Quando mudamos de marca de cigarro, nos mudamos para um novo bairro, assinamos um novo jornal, nos apaixonamos e desapaixonamos, estamos a protestar, de modos ao mesmo tempo frívolos e profundos, contra a maçada que nunca se dissolve da vida de todos os dias. Infelizmente, um espelho é tão traiçoeiro quanto outro, e a dado momento reflecte em cada aventura o mesmo rosto insatisfeito, então ela pergunta que raio fiz eu?, na verdade quer dizer o que é que é que eu estou a fazer?, que é o que habitualmente se diz.”
“O que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca, e é preciso andar muito para se alcançar o que está perto.”