“Quantas mulheres teve o professor?Uma. Já te disse.Mentira. Está a mentir-me outra vez. O professor é um mentiroso compulsivo.Sou. Tens toda a razão. A verdade, quanto a mim, está muito sobrevalorizada. Mas neste caso, princesa, podes acreditar. Todas as mulheres que tive, e tive muitas, foram apenas variações imperfeitas da primeira.”
“Há quem confunda a alegria com a felicidade. A alegria não se parece com a felicidade, a não ser na medida em que um mar agitado se parece com um mar plácido. A água é a mesma, apenas isso. A alegria resulta de um entorpecimento do espírito, a felicidade de uma iluminação momentânea. O álcool pode levar-nos à alegria - ou um cigarro de liamba, ou um novo amor - porque nos obscurece temporariamente a inteligência. A alegria pode, pois, ser burra. A felicidade é outra coisa. Não ri às gargalhadas. Não se anuncia com fogo de artifício. Não faz estremecer estádios. Raras são as vezes em que nos apercebemos da felicidade no instante em que somos felizes.”
“(...) não custa atribuir a obstinada melancolia dos portugueses ao uso desregrado da palavra saudade, no fado, na poesia, no discurso dos filósofos e dos políticos. Seria interessante estudar o quanto o culto à saudade contrariou, vem contrariando, o esforço para desenvolver Portugal. Já a famosa arrogância e optimismo dos angolanos poderia dever-se à insistência em termos como bué («Angola kuia bué!»), futuro, esperança ou vitória. No que respeita à alegria dos brasileiros, poderíamos talvez imputá-la a duas ou três palavras fortes que acompanham desde há muito a construção e o crescimento do país: mulato/mulata, bunda, carnaval.”
“Hoje sabemos que dia é o nosso, amanhã quem o dirá, Emprestam-te uma espingarda, mas nunca te disseram que a apontasses ao latifúndio, Toda a tua instrução de mira e fogo está virada contra o teu lado, é para o teu próprio e enganado coração que olha o buraco do cano da tua arma, não percebes nada do que fazes e um dia dão-te voz de atirar, e matas-te”
“Nascemos, e nesse momento é como se tivéssemos firmado um pacto para toda a vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos Quem assinou isto por mim.”
“Como vão esses amores, perguntou Marçal, Pobre Isaura, pobre pai, Por que dizes pobre Isaura, pobre pai, Porque está claro que ela o quer, mas não consegue passar por cima da barreira que ele levantou, E ele, Ele, ele é uma vez mais a história das duas metades, há uma que provavelmente não pensa senão nisso, E a outra, A outra tem sessenta e quatro anos, a outra tem medo, Realmente, as pessoas são muito complicadas, É verdade, mas se fôssemos simples não seríamos pessoas.”
“Uma noite fiquei a dormir na tua cama, disse. Entendamo-nos, este homem é oleiro, trabalhador manual portanto, sem finezas de formação intelectual e artística tirando as necessárias ao exercício da sua profissão, de uma idade já mais do que madura, criou-se num tempo em que o mais corrente era terem as pessoas de sofrer, cada uma em si mesma e todas em toda a gente, as expressões do sentimento e as ansiedades do corpo, e se é certo que não seriam muitos os que no seu meio social e cultural poderiam pôr-lhe um pé adiante em matéria de sensibilidade e de inteligência, ouvir dizer assim de supetão, da boca de uma mulher com quem nunca jazera em intimidade, que dormiu, ela, na sua cama dele, por muito energicamente que estivesse a andar em direcção à casa onde o equívoco caso se produziu, por força haveria de suspender o passo, olhar com pasmo a ousada criatura, os homens, confessemo-lo de uma vez, nunca acabarão de entender as mulheres, felizmente que este conseguiu, sem saber bem como, descobrir no meio da sua confusão as palavras exactas que a ocasião pedia, Nunca mais dormirás noutra.”