“Hoje, preciso de ti. Depois de nós, nesse tempo, houve uma verdade que ficou parada nos meus olhos: alguém de quem gostamos muito, o amor, ficará nas árvores, continuará a crescer, como uma criança, dentro dos troncos e dos ramos mais finos das árvores.”
“Amor. Amor. Amor, gostava de dizer esta palavra até gastá-la ainda mais. Amor, gostava de dizer esta palavra até perder ainda mais o seu sentido. Amor. Amor. Amor, até ser uma palavra que não significa nem sequer uma ilusão, uma mentira. Amor, amor, amor, nem sequer uma mentira, nem sequer um sentimento vago e incompreensível. Amor amor amor, até ser nem sequer uma palavra banal, nem sequer a palavra mais vulgar, nem sequer uma palavra. Amoramoramor, até ao momento em que alguém diz amor e ninguém vira a cabeça para ouvir, alguém diz amor e ninguém ouve, alguém diz amor e não disse nada. Sozinho, diante da campa. O amor é a solidão.”
“Eu estava no desconhecido.Guardamos os segredos ao lado de tudo o que não dizemos. Nesse grande sotão escuro há de tudo, há aquilo que não dizemos porque temos medo, porque temos vergonha, porque não somos capazes; há aquilo que não dizemos porque desconhecemos, ignoramos mesmo, apesar de estar lá, em nós. Os segredos são assim. Eles estão lá, podemos visitá-los, assistir a eles, sabemos as palavras exactas para dizê-los e, muitas vezes, temos tanta vontade de contá-los. Mas escolhemos não o fazer.Os segredos estão dento de nós. Como tudo o que sabemos, também os segredos nos constituem. Quando os seguramos, quano somos mais fortes e os contemos, alastram-se em nós.Desde dentro, chegam à nossa pele. Depois, avançam até sermos capazes de os distinguir à nossa volta. E, no silêncio, somos capazes de os reconhecer. Então, nesse momento, já não são apenas os segredos que estão dentro de nós, somos também nós que estamos dentro dos segredos.”
“No tempo em que éramos felizes não chovia. Levantávamo-nos¬ juntos, abraçados ao sol. As manhãs eram um céu infinito. O nosso amor era as manhãs. No tempo em que éramos felizes o horizonte tocava-se com a ponta dos dedos. As marés traziam o fim da tarde e não víamos mais do que o olhar um do outro. Brincávamos e éramos crianças felizes. Às vezes ainda te espero como te esperava quando chegavas com o uniforme lindo da tua inocência. Há muito tempo que te espero. Há muito tempo que não vens.”
“na hora de pôr a mesa, éramos cinco:o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãse eu. depois, a minha irmã mais velhacasou-se. depois, a minha irmã mais novacasou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,na hora de pôr a mesa, somos cinco,menos a minha irmã mais velha que estána casa dela, menos a minha irmã maisnova que está na casa dela, menos o meupai, menos a minha mãe viúva. cada umdeles é um lugar vazio nesta mesa ondecomo sozinho. mas irão estar sempre aqui.na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.enquanto um de nós estiver vivo, seremossempre cinco”
“Dar um passo pode ser fruto de uma decisão complexa. Há a possibilidade de seguir para a direita ou para a esquerda, posso continuar em frente ou voltar para trás, desfazer. Cada escolha lançará uma cadeia de resultados. Mal comparado, é como acordar na estação Sèvres-Lecourbe e não ter mapa do metro, nunca ter estado ali, não saber sequer onde se está, não saber sequer o que é o metro. Ter de aprender tudo. Ao fim de um tempo, com sorte, conversando com pedintes cegos, tocadores de concertina, talvez se consiga chegar à conclusão que se quer ir para a estação Ourcq, esse é o lugar onde se poderá ser feliz, mas como encontrar o caminho sem mapa, sem conhecer linhas e ligações? É possível arrastar a vida inteira no metro de Paris e nunca passar por Ourcq. É também possível passar por lá e não reconhecer que é ali que se quer sair.”
“há certos movimentos que apenas são possíveis depois do início da primavera. Durante a invernia, o corpo esquece-os, mingua, endurece como as árvores. Em maio, o corpo recorda esses movimentos, julga reaprendê-los e, ao fazê-lo, redescobre a sua verdadeira natureza.”