“«Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.»”
“No tempo em que éramos felizes não chovia. Levantávamo-nos¬ juntos, abraçados ao sol. As manhãs eram um céu infinito. O nosso amor era as manhãs. No tempo em que éramos felizes o horizonte tocava-se com a ponta dos dedos. As marés traziam o fim da tarde e não víamos mais do que o olhar um do outro. Brincávamos e éramos crianças felizes. Às vezes ainda te espero como te esperava quando chegavas com o uniforme lindo da tua inocência. Há muito tempo que te espero. Há muito tempo que não vens.”
“Dar um passo pode ser fruto de uma decisão complexa. Há a possibilidade de seguir para a direita ou para a esquerda, posso continuar em frente ou voltar para trás, desfazer. Cada escolha lançará uma cadeia de resultados. Mal comparado, é como acordar na estação Sèvres-Lecourbe e não ter mapa do metro, nunca ter estado ali, não saber sequer onde se está, não saber sequer o que é o metro. Ter de aprender tudo. Ao fim de um tempo, com sorte, conversando com pedintes cegos, tocadores de concertina, talvez se consiga chegar à conclusão que se quer ir para a estação Ourcq, esse é o lugar onde se poderá ser feliz, mas como encontrar o caminho sem mapa, sem conhecer linhas e ligações? É possível arrastar a vida inteira no metro de Paris e nunca passar por Ourcq. É também possível passar por lá e não reconhecer que é ali que se quer sair.”
“Talvez os homens nasçam com a verdade dentro de si e só não a digam porque não acreditam que ela seja verdade.”
“Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.”
“Quando vires os teus olhos a verem-te, quando não souberes se tu és tu ou se o teu reflexo no espelho és tu, quando não conseguires distinguir-te de ti, olha para o fundo dessa pessoa que és e imagina o que aconteceria se todos soubessem aquilo que só tu sabes sobre ti.”
“Dizem que o tempo sara todas as feridas. Talvez seja verdade. Mas há feridas que parecem não sarar. Sangram, vertem pus, voltam a sangrar, surpreendem-nos a magoar a alma quando esta já deveria estar habituada e imune a tanta dor. É certo que, às vezes, essas feridas acalmam, como as marés que recolhem a água e recuam para o mar alto; mas, tal como as marés, regressam depois, revigoradas, pujantes, invadindo de novo a praia e fazendo sentir o fulgor da sua presença, o ímpeto do seu regresso.”