“Até daqui a dez dias, Até daqui a dez dias, Cuide-me da Marta, pai, Cuidarei, sim, vai descansado, olha que não lhe queres mais do que eu, Se é mais ou se é menos não sei, quero-lhe da outra maneira, Marçal, Diga, Dá-me um abraço, por favor. Quando Marçal saiu da furgoneta levava os olhos húmidos. Cipriano Algor não deu nenhum murro na cabeça, só disse para si mesmo com um meio sorriso triste, A isto pode chegar um homem, ver-se a implorar um abraço como uma criança carecida de amor.”
“Tal como a experiência da comunicação tem abundantemente demonstrado, o poder de mobilização da palavra oral, no imediato, em nada inferior ao da palavra escrita, e mesmo, num primeiro momento, talvez mais apta que ela a arrebanhar vontades e multidões, é dotada de um alcance histórico bastante mais limitado, devido a que, com as repetições do discurso, se lhe fatiga com rapidez o fôlego e se lhe desviam os propósitos. Não se vê outra razão para que as leis que nos regem estejam todas escritas.”
“O que eu quero é que o leitor, quando se encontrar com um livro meu, quando o ler e chegar ao final, possa dizer: conheci a pessoa que escreveu isto. Embora não defenda um confessionalismo na literatura, me interessa dizer: aqui estou eu, e isto é o que eu penso, isto é o que eu sinto.”
“Deve-se a construção do convento de Mafra ao rei D. João V, por um voto que fez se lhe nascesse um filho, vão aqui seiscentos homens que não fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam, com perdão da anacrónica voz.”
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”
“Como vão esses amores, perguntou Marçal, Pobre Isaura, pobre pai, Por que dizes pobre Isaura, pobre pai, Porque está claro que ela o quer, mas não consegue passar por cima da barreira que ele levantou, E ele, Ele, ele é uma vez mais a história das duas metades, há uma que provavelmente não pensa senão nisso, E a outra, A outra tem sessenta e quatro anos, a outra tem medo, Realmente, as pessoas são muito complicadas, É verdade, mas se fôssemos simples não seríamos pessoas.”
“Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!Ninguém me peça definições!Ninguém me diga: "Vam por aqui"!A minha vida é um vendaval que se soltou.É uma onda que se alevantou.É um átomo a mais que se animou...Não sei por onde vou,Não sei para onde vou,-Sei que não vou por aí!”