“Vivem em nós inúmeros, se penso ou sinto, ignoro quem é que pensa ou sente, sou somente o lugar onde se pensa e sente e, não acabando aqui, é como se acabasse, uma vez que para além de pensar e sentir não há mais nada.”
“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”
“Que sentes tu dentro de ti, Que ninguém se salva, que ninguém se perde, É pecado pensar assim, O pecado não existe, só há morte e vida, A vida está antes da morte, Enganas-te, Baltasar, a morte vem antes da vida, morreu quem fomos, nasce quem somos, por isso é que não morremos de vez, E quando vamos para debaixo da terra, e quando Francisco Marques fica esmagado sob o carro da pedra, não será isso morte sem recurso, Se estamos falando dele, nasce Francisco Marques, Mas ele não o sabe, Tal como nós não sabemos bastante quem somos, e, apesar disso, estamos vivos, Blimunda, onde foi que aprendeste essas coisas, Estive de olhos abertos na barriga da minha mãe, de lá via tudo.”
“Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há que diga que isso é que é a imortalidade.”
“Ao contrário do que em geral se pensa, tomar uma decisão é uma das decisões mais fáceis deste mundo, como cabalmente se demonstra pelo facto de não fazermos masi nada que multiplicá-las ao longo de todo o santíssimo dia, porém, e aí esbarramos com o busílis da questão, elas sempre nos vêm a posteriori com os seus problemazinhos particulares, ou, para que fiquemos a entender-nos, com os seus rabos por esfolar, sendo o primeiro deles o nosso grau de capacidade para mantê-las e o segundo o nosso grau de vontade para realizá-las.”
“A solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia a alguém ou a alguma coisa que está dentro de nós, a solidão não é uma árvore no meio duma planície onde só ela esteja, é a distância entre a seiva profunda e a casca, entre a folha e a raiz.”
“Se tal vier a acontecer, a única conclusão lógica a extrair de tudo quanto se viu até agora, é que, afinal, a viagem não valeu a pena. O que, por outro lado, seria, ou será, uma maneira demasiado simplificada de encarar a questão, pois nenhuma viagem é ela só, cada viagem contém uma pluralidade de viagens, e se, aparentemente, uma delas parece apresentar tão pouco sentido que nos sentimos autorizados a sentenciar, Não valeu a pena, mandaria o senso comum, se por preconceito e preguiça o não obliterássemos tantas vezes, que verificássemos se as viagens de que aquela foi conteúdo ou continente não serão valiosas bastante para terem, afinal, valido a pena e as penas. Todas estas considerações reunidas nos aconselham a suspendermos os juízos definitivos e outras presunções. As viagens sucedem-se e acumulam-se como as gerações, entre o neto que foste e o avô que serás, que pai terás sido, Ora, ainda que ruim, necessário”