“A ondulação deste número infinito de montanhas, cujos cumes nevados os fazem parecer como que cobertas por espuma, trouxe a minha lembrança a superfície de um oceano sendo espancado por uma tempestade. Se olhei para o oeste, o oceano exibia-se diante de mim em toda a sua majestosa grandeza, uma continuação de certo modo, um destes lanosos topos. Onde a terra terminava e o mar começava era impossível para o olho distinguir.”
“Úrsula se perguntava se não era preferível se deitar logo de uma vez na sepultura e lhe jogarem a terra por cima, e perguntava a Deus, sem medo, se realmente acreditava que as pessoas eram feitas de ferro para suportar tantas penas e mortificações. E perguntando e perguntando ia atiçando sua própria perturbação e sentia desejos irreprimíveis de se soltar e não ter papas na língua como um forasteiro e de se permitir afinal um instante de rebeldia, o instante tantas vezes desejado e tantas vezes adiado, para cortar a resignação pela raiz e cagar de uma vez para tudo e tirar do coração os infinitos montes de palavrões que tivera que engolir durante um século inteiro de conformismo.– Porra! – gritou.Amaranta, que começava a colocar a roupa no baú, pensou que ela tinha sido picada por um escorpião.– Onde está? – perguntou alarmada.– O quê?– O animal! – esclareceu Amaranta.Úrsula pôs o dedo no coração.– Aqui – disse”
“Ao contrário do que em geral se pensa, tomar uma decisão é uma das decisões mais fáceis deste mundo, como cabalmente se demonstra pelo facto de não fazermos masi nada que multiplicá-las ao longo de todo o santíssimo dia, porém, e aí esbarramos com o busílis da questão, elas sempre nos vêm a posteriori com os seus problemazinhos particulares, ou, para que fiquemos a entender-nos, com os seus rabos por esfolar, sendo o primeiro deles o nosso grau de capacidade para mantê-las e o segundo o nosso grau de vontade para realizá-las.”
“Ainda lembrei de suas palavras amadurecendo uma esperança para mim quando eu de tudo descria:-Não vê os rios que nunca enchem o mar? A vida de cada um também é assim: está sempre toda por viver.”
“As retretes das casas de banho modernas erguem-se do chão como uma flor branca de nenúfar. Os arquitectos fazem os impossíveis para que o corpo esqueça a sua miséria e para que o homem não saiba o que acontece às dejecções das suas vísceras quando a água do autoclismo, a gorgolejar, as expulsa da vista. Embora os seus tentáculos se prolonguem até nossas casas, os canos de esgoto estão cuidadosamente disfarçados e por isso não sabemos absolutamente nada a respeito das invisíveis Venezas de merda sobre as quais se encontram construídas as nossas casas de banho, os nossos quartos, os nossos salões de baile e os nossos parlamentos.As casas de banho daquele velho prédio de um bairro operário dos subúrbios de Praga eram menos hipócritas; do chão de ladrilho cinzentos, erguia-se, órfã e miserável, a retrete. não fazia lembrar uma flor de nenúfar, mas, pelo contrário, evocava o que, na realidade, era: o sítio onde o cano terminava e o seu diâmetro se alargava. Nem sequer tinha tampo de madeira e Tereza teve de sentar-se directamente na lioça esmaltada, sentiu um arrepio de frio.(…)”
“Olá , bom dia! - disse o principezinho.- Olá , bom dia! - disse o vendedor.Era um vendedor de comprimidos para tirar a sede. Toma-se um por semana e deixa-se de ter necessidade de beber.- Porque é que andas a vender isso? - perguntou o principezinho.- Porque é uma grande economia de tempo - respondeu o vendedor. - Os cálculos foram feitos por peritos. Poupam-se cinquenta e três minutos por semana.- E o que se faz com esses cinquenta e três minutos?- Faz-se o que se quiser..."Eu", pensou o principezinho, "eu cá se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, punha-me era a andar muito de mansinho à procura de uma fonte...”