“Naquele tempo imaginávamo-nos fechados numa espécie de redil, à espera que nos soltassem para a vida. E, quando o momento chegasse, as nossas vidas - e o próprio tempo - acelarariam. Como podíamos saber que, de qualquer modo, as nossas vidas já haviam começado, que já levávamos vantagem, que algum dano já fora inflingido?”
“Quantas vezes contamos a história da nossa vida? Quantas vezes adaptamos, embelezamos, fazemos cortes matreiros? E, quanto mais a vida avança, menos são os que à nossa volta desafiam o nosso relato, para nos lembrar que a nossa vida não é a nossa vida, é só a história que contámos sobre a nossa vida. Que contámos aos outros mas — principalmente — a nós próprios.”
“Acredito certamente que todos sofremos danos, de uma ou outra maneira. Como podíamos não sofrer, senão existe um mundo de pais, irmãos, vizinhos e companheiros perfeitos? E depois há a questão, de que tanta coisa depende, do modo como reagimos ao dano: quer o reconheçamos, quer o recalquemos, e como isso afecta as nossas relações com os outros. Alguns admitem o dano e tentam suaviza-lo; outros passam a vida a tentar ajudar outros que sofreram danos; e há depois aqueles cuja maior preocupação é evitar mais danos para si próprios, a qualquer preço. Esses são os implacáveis, aqueles com quem devemos ter cuidado.”
“• Vivemos no tempo – ele contém-nos e molda-nos – mas nunca senti que o compreendesse muito bem. E não me refiro a teorias sobre o modo como cede, recua e dá meia volta, ou poderá existir algures em versões paralelas. Não, falo do tempo comum, quotidiano, que os relógios de pulso e de parede nos garantem passar regularmente. Existe algo mais plausível do que um ponteiro de segundos? E todavia basta a menor dor ou prazer para nos ensinar a maleabilidade do tempo. Há emoções que o aceleram, há outras que o abrandam. Às vezes parece desaparecer – até ao ponto em que desaparece mesmo, para nunca mais voltar.”
“A vida às vezes dá-nos mais do que um pontapé… dá-nos um coice e espera que nos mantenhamos a andar. Todos à nossa volta o esperam. Cobram-nos que sejamos fortes quando tudo o que queremos é poder cair.”
“Nós sabíamos por nossas leituras dos grandes livros que Amor envolvia Sofrimento, e teríamos de bom grado praticado o Sofrimento se houvesse uma promessa implícita, talvez até lógica, de que o Amor poderia estar a caminho.”
“Chegando a qualquer nova cidade o viajante reencontra o seu passado que já não sabia que tinha: a estranheza do que já não somos ou já não possuímos espera-nos ao caminho nos lugares estranhos e não possuídos.”