“Presenciar o mistério da vida era suficientemente impressionante para evitar pensar na morte, em qualquer uma das suas manifestações: o abandono, a perda, o desaparecimento. Não, a única coisa que o seu espírito e o seu coração desejavam era festejar a vida.”
“Malinalli, como Quetzalcóatl, ao confrontar-se com o seu lado obscuro ganhou consciência da sua luz. A sua vontade de ser una com o cosmos fez com que os limites do seu corpo desaparecessem. Os seus pés, em contacto com a água inundada pela luz da lua, foram os primeiros a experimentar a mudança. Deixaram de a conter. O seu espírito fundiu-se com o da água e derramou-se pelo ar. A sua pele expandiu-se ao máximo, permitindo-lhe mudar de forma e integrar-se com tudo o que a rodeava. Foi nardo, foi laranjeira, foi pedra, foi aroma de copal, foi milho, foi peixe, foi ave, foi sol, foi lua. Abandonou este mundo.”
“- O vento também é eterno. Nunca acaba. Quando o vento entra no nosso corpo, nascemos, e, quando sai, é porque morremos, por isso temos de ser amigos do vento.- E...este...- Já nem sabes o que perguntar. É melhor guardares silêncio, não gastes a tua saliva. A saiva é água sagrada que o coração cria. A saliva não deve gastar-se em palavras inúteis porque então estaremos a desperdiçar a água dos deuses e olha, vou dizer-te uma cois que não deves esquecer: se as palavras não servirem para humedecer os outros a lembrança e conseguir que aí floresça a memória de deus, não servem para nada.”
“O Antunes entendia estas coisas todas nas estrelas e sem ser por palavras recebidas no seu pensamento. Havia outros processos para a grande linguagem das estrelas chegar ao seu entendimento sem ser por meio das palavras. Não era só a cabeça, nem só o coração, nem só o coração e a cabeça juntos que se deixavam entrar assim pelas estrelas: era o seu corpo inteiro, ainda mais, a sua vida inteira que recebia as ordens de quem ele nunca havia pensado ser o único que lhas desse. Os astros mandam! E mandam uma coisa para cada um! E esta ordem sereníssima dos astros é uma verdadeira anarquia para a sociedade!”
“E é, em suma, uma forma como outra qualquer de resolver o problema da existência, esta de nos aproximarmos das coisas e das pessoas que de longe nos pareceram belas e misteriosas o suficiente para verificarmos que não têm mistério nem beleza; é uma das higienes entre as quais podemos optar, uma higiene que talvez não seja muito recomendável, mas que nos dá uma certa calma para passarmos a vida, e também para nos resignarmos à morte - pois que permite que não lamentemos nada ao persuadir-nos de que atingimos o melhor, e de que o melhor não era grande coisa.”
“Aliás, nessa noite não conseguia pensar longa e fixamente em nada, concentrar o pensamento em coisa alguma, tampouco conseguiria resolver, então, conscientemente, o que quer que fosse; a única coisa que fazia era sentir. Em vez da dialética surgia a vida, e na sua consciência devia se elaborar algo totalmente distinto.”
“Não nos mostra ele que o "costume" e o "divertimento" mascaram ao homem "o seu nada, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua impotência e o seu vazio"?”