“Simão Bacamarte entendeu desde logo reformar tão ruim costume; pediu licença à câmara para agasalhar e tratar no edifício que ia construir todos os loucos de Itaguaí e das demais vilas e cidades, mediante um estipêndio, que a câmara lhe daria quando a família do enfermo o não pudesse fazer.”
“O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.”
“Quem terá sido o granda maricas que inventou os sapatos? E depois de inventar os sapatos, depois de os fazer e de os calçar, onde é que ele passou a ir que não ia dantes? Que mundo de oportunidades é que se lhe abriu? Nenhum. Zero. Um gajo percebe que se tenham inventado barcos, muito bem. Carros, sim, senhor. Aviões, fantástico. Agora, sapatos? Os pés é que passaram a perder capacidades. E o cabrão do maricas ganhou um negócio, claro está.”
“Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança.”
“Mesmo ponho admiração no Burkina não lhe ter varrido logo ali umas ngaias, porque coisa que o Burkina não goste, e disse logo e avisou no miúdo, é de mentiras, porque mentiras crescem mais que os cabelos, lhe dissee depois morres asfixiado nos cabelos todos da mentira”
“Depois,inesperadamente,os lábios do pai curvaram-se num sorriso que lhe transmitiu esperança,mas que era dirigido ao corpo da mãe e não para si.O pai sorria à mãe, mas ela não via.Talvez tivesse sido assim desde sempre.(...)Ocorreu-lhe que,talvez,durante todo aquele tempo,o pai tivesse sorrido à mãe sem que ela visse,e vice-versa.”