“Deitei-me.Fiquei ali, na pedra fria do passeio. As pessoas a passarem e eu, alheio, deixei-me estar jogado no seu meio. Na minha cama. No meu drama. Nem sequer era de pedra. Era uma cama com muito menos poesia no existir. Era um coração apaixonado sem sentir. Era cimento. Era leito dado ao desconforto de me cobrir com lençóis feitos de vento.”
“O BICHOVI ONTEM um bichoNa imundície do pátioCatando comida entre os detritos.Quando achava alguma coisa,Não examinava nem cheirava:Engolia com voracidade.O bicho não era um cão,Não era um gato,Não era um rato.O bicho, meu Deus, era um homem.”
“Rosário nunca pensara na felicidade apenas como uma consequência natural das coisas boas que se fazem. Tal como a maioria das pessoas, sempre viu a felicidade como um objectivo por si mesma. E, tal como essa maioria das pessoas, não tinha percebido que, quando encarada como um objectivo, a felicidade torna-se demasiado grande para caber nas coisas que se fazem e passa a assombrar todas as coisas que se querem. A obsessão afasta a felicidade do coração. Ignoram-se coisas boas, porque um coração obcecado acha-as insuficientes. E, infelizmente, um coração obcecado pode não ver a felicidade quando ela está mesmo ali ao lado. Ou à sua frente.”
“Porquinho-da-ÍndiaQuando eu tinha seis anosGanhei um porquinho-da-índia.Que dor de coração me davaPorque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!Levava ele prá salaPra os lugares mais bonitos mais limpinhosEle não gostava:Queria era estar debaixo do fogão.Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.”
“João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem númeroUma noite ele chegou no bar Vinte de NovembroBebeuCantouDançouDepois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.”
“Estar na Europa era assim. Uma ponte para a infância, que conduzia ao outro lado do oceano, através de florestas, até as paisagens primordiais da minha imaginação. De um jeito ou de outro, eu havia ido a muitos lugares, do México ao Maine - e pensar que tive de ir até a Europa para poder voltar a minha cidade natal, minha lareira, meu quarto onde histórias e lendas pareciam sempre extrapolar os limites municipais. Ali moravam as lendas: na lira, no castelo, no farfalhar das asas dos cisnes.”
“As ostras felizes se riam dela e diziam: 'ela não sai da sua depressão...'. Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia.”