“Porque sua mulher vivia com o coração na mão e estendia este como oferta para o ar do mundo, entregue por completo ao momento presente, como vivem as rosas do campo e as rolas dos céus.”
“Serenado um pouco, abriu o livro e retomou a leitura. Esqueceu-se de si próprio por completo e bem podia então dizer que morrera. Sonhava no outro, ou melhor, o outro era um sonho que nele se sonhava, uma criatura da sua infinita solidão. Até que despertou com uma terrível pontada no peito. A personagem do livro acabara de lhe dizer de novo: «Devo repetir ao leitor que comigo morrerá.». E desta vez o efeito foi espantoso. O trágico leitor perdeu o conhecimento naquele seu leito de sofrimento espiritual; deixou de sonhar no outro e deixou de sonhar-se a si mesmo. E quando voltou a si, lançou fora o livro, apagou a luz e procurou adormecer, deixar de sonhar. Impossível! De quando em quando tinha de levantar-se para beber água; ocorreu-lhe que bebia no Sena, no espelho. «Estarei louco? - repetia -. Certamente que não, porque quando uma pessoa se pergunta se está louca é porque não está...». Levantou-se, pegou-lhe o fogo na lareira e queimou o livro, voltando em seguida a deitar-se. E conseguiu finalmente adormecer.”
“«Se desço ao meu coração, encontro cinzas e uma lareira extinta. O vulcão cumpriu seu incêndio e dele apenas restam o calor e a lava que se agitam à superfície, e, quando tudo se houver gelado e as coisas se houverem cumprido, nada mais restará - uma indefínivel lembrança como que de algo que pudesse ter sido e que não foi - a lembrança dos meios que deveriam ter sido empregues para a felicidade e que se deixaram perdidos na inércia dos desejõs titânicos escorraçados de dentro de nós, sem que tão-pouco tivessem podido chegar cá fora, que minaram a alma de esperanças, de ansiedades, de votos sem fruto... e depois nada», Mazzini era um desterrado, um desterrado da eternidade.”
“Quando um homem adormecido e inerte na cama sonha algo, o que é que existe mais, ele como consciência que sonha, ou o seu sonho?”
“Quase todos os homens vivem inconscientemente no tédio. O tédio é o fundo da vida, foi o tédio que inventou os jogos, as distracções, os romances e o amor.”
“As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos impossíveis. Têm o ar de quem pertence a si própria. Olham de frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas, da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito. São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem. As mulheres do Norte deveriam mandar neste país. Têm o ar de que sabem o que estão a fazer.”
“Tomemos um exemplo: o eleitor que não quer votar com o Governo. Ei-lo, aí, junto da urna da oposição, com o seu voto hostil na mão, inchado do seu direito. Se, para o obrigar a votar com o Governo o empurrarem às coronhadas e às cacetadas, o homem volta-se, puxa de uma pistola – e aí temos a guerra civil. Para que esta brutalidade obsoleta? Não o espanquem, mas, pelo contrário, acompanhem-no ao café ou à taberna, conforme estejamos no campo ou na cidade, paguem-lhe bebidas generosamente, perguntem-lhe pelos pequerruchos, metamlhe uma placa de cinco tos-tões na mão e levem-no pelo braço, de cigarro na boca, trauteando o Hino, até junto da urna do Governo, vaso do Poder, taça da Felicidade! Tal é a tradição humana, doce, civilizada, hábil, que faz com que se possa tiranizar um País, com o aplauso do cidadão e em nome da Liberdade.”