“Sabe que só o abraço da morte pode apaziguá-lo, esse abraço que ele preencherá com o corpo todo e com a alma inteira e onde enfim achará a sua grandeza; sabe que só a morte pode vingá-lo e acusar de assassínio os que o escarnecem.”
“Nunca se pode saber o que se deve querer, pois só se tem uma vida e não se pode nem compará-la com as vidas anteriores nem corrigi-la nas vidas posteriores.”
“Vê um jovem que se afasta da vida dela e se vai, parra sempre inacessível. Hipnotizada, nada pode fazer senão olhar esse pedaço da sua vida que se afasta, não pode senão olhá-lo e sofrer. Experimenta uma sensação inteiramente nova que se chama nostalgia.”
“Só o acaso pode nos parecer uma mensagem. Aquilo que acontece por necessidade, aquilo que é esperado e se repete cotidianamente é coisa muda apenas.”
“Agora, o pintor dissertava longamente acerca da composição: o que há de mais bonito nos sonhos, dizia, é o encontro improvável de seres e de coisas que não poderiam encontrar-se na vida corrente; num sonhos, um barco pode entrar por uma janela num quarto de dormir, uma mulher que já não está viva há vinte anos pode aparecer deitada numa cama e, contudo, ei-la a subir para o barco que se transforma acto contínuo em caixão e o caixão põe-se a flutuar por entre as margens floridas de um rio.”
“Jean-Marc ergueu-se para ir buscar a garrafa de conhaque e dois copos. E, depois, de uma golada: - No fim da minha visita ao hospital, ele começou a contar recordações. Recordou-me aquilo que eu teria dito quando tinha dezasseis anos. Nesse momento compreendi o único sentido da amizade tal como hoje é praticada. A amizade é indispensável ao homem para o bom funcionamento da sua memória. Lembrar-se do passado, trazê-lo sempre consigo, é talvez a condição necessária para conservar, como se costuma dizer, a integridade do eu. Pare o eu não encolha, para que mantenha o seu volume, é preciso regar as recordações como as flores de uma vaso, e essa rega exige um contacto regular com testemunhas do passado, isto é, com amigos. Eles são o nosso espelho, a nossa memória; não se exige anda deles, apenas que de vez em quando puxem o lustro a esse espelho para que nos possamos mirar nele. Mas estou –me nas tintas para o que fazia no liceu! O que sempre desejei desde a primeira juventude, talvez desde a infância, foi algo completamente diferente: a amizade como um valor acima de todos os outros. Gostava de dizer: entre a verdade e o amigo, escolho sempre o amigo. Dizia-o por provocação, mas pensava-o a sério. Hoje sei que essa máxima era arcaica. Podia ser válida para Aquiles, o amigo de Pátroclo, para os mosqueteiros de Alexandre Dumas, até ao Sancho, que apesar dos desacordos era um verdadeiro amigo do seu amo. Mas já não o é para nós. Vou tão no meu pessimismo que hoje posso preferir a verdade à amizade.”
“As retretes das casas de banho modernas erguem-se do chão como uma flor branca de nenúfar. Os arquitectos fazem os impossíveis para que o corpo esqueça a sua miséria e para que o homem não saiba o que acontece às dejecções das suas vísceras quando a água do autoclismo, a gorgolejar, as expulsa da vista. Embora os seus tentáculos se prolonguem até nossas casas, os canos de esgoto estão cuidadosamente disfarçados e por isso não sabemos absolutamente nada a respeito das invisíveis Venezas de merda sobre as quais se encontram construídas as nossas casas de banho, os nossos quartos, os nossos salões de baile e os nossos parlamentos.As casas de banho daquele velho prédio de um bairro operário dos subúrbios de Praga eram menos hipócritas; do chão de ladrilho cinzentos, erguia-se, órfã e miserável, a retrete. não fazia lembrar uma flor de nenúfar, mas, pelo contrário, evocava o que, na realidade, era: o sítio onde o cano terminava e o seu diâmetro se alargava. Nem sequer tinha tampo de madeira e Tereza teve de sentar-se directamente na lioça esmaltada, sentiu um arrepio de frio.(…)”