“Por vezes Mary falava e Fara escutava uma efusão de gaélico que não compreendia; por vezes era Fara que falava a Língua para uma Mary completamente em branco. Curiosamente, as palavras não eram importantes. O que importava era a representação das emoções nas expressões do rosto, a expressividade das mãos, o que a voz transmitia, segredos que os olhos contavam”
“Universo interior!Eram grandes palavras, essas, e Jaromil ouviu-as com uma extrema satisfação. Nunca se esquecia de que coma idade de cinco anos era já considerado como uma criança excepcional, diferente das outras; o comportamento dos seus colegas de turma, que troçavam da pasta ou da camisa dele, confirmara-o, do mesmo modo (por vezes, duramente), na sua singularidade. Mas, até aqui, essa singularidade não fora para ele mais do que uma noção vazia e incerta; era uma esperança incompreensível ou uma incompreensível rejeição; mas agora, acabava de receber um nome: era um universo interior original; (...)o que lhe sugeria a ideia confusa de que a originalidade do seu universo interior não era o resultado de um esforço laborioso mas se exprimia por meio de tudo o que passava fortuitamente e maquinalmente pela sua cabeça; que lhe era dada, como um dom.”
“E é, em suma, uma forma como outra qualquer de resolver o problema da existência, esta de nos aproximarmos das coisas e das pessoas que de longe nos pareceram belas e misteriosas o suficiente para verificarmos que não têm mistério nem beleza; é uma das higienes entre as quais podemos optar, uma higiene que talvez não seja muito recomendável, mas que nos dá uma certa calma para passarmos a vida, e também para nos resignarmos à morte - pois que permite que não lamentemos nada ao persuadir-nos de que atingimos o melhor, e de que o melhor não era grande coisa.”
“Por vezes é suficiente a bruma ou a montanha. Por vezes uma árvore que se inclina sob as rajadas do vento é suficiente. Por vezes a noite é suficiente, e não o sonho que torna presente à alma aquilo que lhe falta ou que perdeu.”
“O Antunes entendia estas coisas todas nas estrelas e sem ser por palavras recebidas no seu pensamento. Havia outros processos para a grande linguagem das estrelas chegar ao seu entendimento sem ser por meio das palavras. Não era só a cabeça, nem só o coração, nem só o coração e a cabeça juntos que se deixavam entrar assim pelas estrelas: era o seu corpo inteiro, ainda mais, a sua vida inteira que recebia as ordens de quem ele nunca havia pensado ser o único que lhas desse. Os astros mandam! E mandam uma coisa para cada um! E esta ordem sereníssima dos astros é uma verdadeira anarquia para a sociedade!”
“Afinal de contas há coisas que, por mais que se tente usar uma voz agradável e umas palavras dóceis, são inalteráveis. A verdade é o que é! E há verdades que não podem ser adoçadas.”