“Aquela imagem parada fez emergir outras e a mente de Alice juntou-as recriando o movimento, os fragmentos de sons, farrapos de sensações. Sentiu-se invadida por uma nostalgia lancinante, mas agradável.Se pudesse escolher um momento a partir do qual recomeçar escolheria precisamente esse: ela e Mattia num quarto silencioso, com as suas intimidades que hesitavam tocar-se mas cujos contornos coincidiam exactamente.”

Paolo Giordano
Time Neutral

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“Mattia sentiu os cabelos dela a fazerem-lhe cócegas no pescoço. Sentiu o fino intervalo de ar que os separava a encher-se com o seu calor e a premer levemente sobre a sua pele, como algodão. Sentiu o instinto de a puxar a si, mas as mãos ficaram imóveis, como que adormecidas.”


“O beijo durou, minutos inteiros, tempo suficiente para que a realidade encontrasse uma fresta entre as suas bocas aderentes e se enfiasse por aí adentro, obrigando ambos a analisar o que estavam a fazer.Separaram-se. Mattia sorriu apressadamente, automaticamente, e Alice levou um dedo aos lábios húmidos, quase que a certificar-se se tinha realmente acontecido. Havia uma decisão a tomar e tinha de ser tomada sem falar. Olharam um para o outro, alternadamente, mas já tinham perdido a sincronia e os seus olhos não se encontraram.”


“Pela primeira vez, Mattia envergonhou-se de aos vinte e dois anos de idade ainda não ter carta de condução. Era outra das coisas que havia deixado para trás, outro passo óbvio na vida de um rapaz que ele escolhera não dar, para se manter o mais possível fora da engrenagem da vida. Como comer pipocas no cinema, como sentar-se nas costas de um banco, como não respeitar a hora de entrada em casa imposta pelos pais, como jogar futebol com uma bola de estanho enrolada ou estar de pé, nu, em frente a uma rapariga. Pensou que a partir daquele dia tudo seria diferente. Decidiu que ia tirar a carta de condução o mais depressa possível. Fá-lo-ia por ela, para a levar a passear. Porque tinha medo de o admitir, mas quando estava com ela parecia que valia a pena fazer todas as coisas normais que as pessoas normais fazem.”


“(...) compor meticulosamente o cadastro afetivo e o retrato fantástico-histórico de uma comunidade e de uma de suas remotas jornadas de meio século atras. E isso não com os instrumentos racionais, a ficha, o documento, o testemunho, caros ao arqueólogo do cotidiano, mas por meio de um sortilégio espontâneo de silhuetas que se esvaziaram gradativamente, uma depois da outra, numa parede: relicário de epifanias momentâneas, cinema de larvas dispersas; o insuficiente butim de um aprendiz de Noé que, depois do diluvio, para não esquecer o mundo, andasse a vasculhar os fosseis soterrados na areia (...)”


“Era uma melodia lenta e meio fúnebre. O agudo do som do instrumento penetrou Ana Terra como uma agulha, e ela se sentiu ferida, trespassada. Mas notas graves começaram a sair da flauta e aos poucos Ana foi percebendo a linha da melodia... Reagiu por alguns segundos, procurando não gostar dela, mas lentamente foi se entregando e deixando embalar. Sentiu então uma tristeza enorme, um desejo amolecido de chorar. (...)De repente Ana Terra descobriu que aquela música estava exprimindo a tristeza que lhe vinha nos dias de inverno quando o vento assobiava e as árvores gemiam - nos dias de céu escuro em que, olhando a soledade dos campos, ela procurava dizer à mãe o que sentia no peito, mas não encontrava palavras para tanto. Agora a flauta do índio estava falando por ela...”


“Assim acontece com as estrelas de acaso! Elas não são de uma essência diferente, nem contêm mais luz que as outras: mas, por isso mesmo que passam fugitivamente e se esvaem, parecem despedir um fulgor mais divino, e o deslumbramento que deixam nos olhos é mais perturbador e mais longo...”