“Ele tinha a impressão de ser um pedaço de gelo que as correntes levavam para onde queriam. Mantinha a cabeça virada para a margem. Olhava a charneca na aurora onde começava a nascer e a errar a bruma. Respirava com dificuldade.”
“Mas ela sabia, lá no fundo ela sabia. Ela tinha sido um recipiente onde o rei tinha despejado a sua angústia e o seu desespero. Estando tão vazia, ela deixara-se encher pelo negrume dele. Para ele, a criança que dava pontapés e que sonhava dentro dela não era mais do que uma semente que ele tinha plantado por engano, uma erva daninha que tinha de ser arrancada”
“Xavier disse-lhe para onde iam. Ela respondeu que naquele quarto estava sua casa, enquanto lá onde Xavier queria levá-la não teria nem seu armário de roupas nem seu pássaro na gaiola. Xavier respondeu que um lar não é um armário de roupas nem um pássaro na gaiola, mas a presença de alguém a quem se ama. Disse-lhe depois que ele mesmo não tinha um lar, ou melhor, para exprimir-se de outra maneira, que seu lar estava nos seus passos, na sua caminhada, nas suas viagens. Que seu lar estava onde se abrissem horizontes desconhecidos.”
“[...] ele agora olhava para as pessoas com segurança e com uma expressão que só podia ser descrita como condescendente, como se ele circulasse em esferas de esclarecimento a que os outros não tinham acesso, infelizmente.”
“Não sou eu que gosto de nascerEles é que me botam para nascer todo diaE sempre que eu morro me ressuscitamMe encarnam me desencarnam me reencarnamMe formam em menos de um segundoSe eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiverPra estar olhando pro gás pras paredes pro tetoOu pra cabeça deles e pro corpo deles”
“...e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez.”