“Conforta-me pensar que a vida não começa nem acaba aqui. Um dia regressaremos ao lugar de onde viemos, um lugar de repouso e de paz, um lugar livre de mágoas. Mas quantos lugares de dor teremos de atravessar para alcançá-lo? Quanta tristeza, quanto sofrimento, quanta crueldade no destino do Homem! E se o mundo é repleto de maravilhas é só para não perdermos de vista a morada original, que nos aguarda ao fim dos nossos doze trabalhos de Hércules, e a que os poetas e os místicos chamam paraíso e eu chamo, simplesmente, amor. As guerras fazem-se para alcançar a paz, ensinaram-nos durante séculos. (...)O sofrimento serve para alcançar a bem-aventurança, invento eu, para não morrer de desespero.”
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
“O inferno dos vivos não é uma coisa que virá a existir; se houver um, é o que já está aqui, o inferno que habitamos todos os dias, que nós formamos ao estarmos juntos. Há dois modos para não o sofrermos. O primeiro torna-se fácil para muita gente: aceitar o inferno e fazer parte dele a ponto de já não o vermos. O segundo é arriscado e exige uma atenção e uma aprendizagem contínuas: tentar e saber reconhecer, no meio do inferno, quem e o que não é inferno, e fazê-lo viver, e dar-lhe lugar.”
“(...) houve um excesso de melodrama na minha vida, e daria tudo para conservar a paz e a tranquilidade conquistadas. A Felicidade não é uma coisa concreta – é uma qualidade do pensamento, um estado de espírito. Claro que temos os nossos momentos de depressão; mas outros momentos há, também, em que o tempo não é medido pelo relógio e se prolonga pela eternidade. Então, vendo-o sorrir para mim, sei que estamos juntos, que marchamos lado a lado, sem divergências de alma. (...)”
“Quando mudamos de marca de cigarro, nos mudamos para um novo bairro, assinamos um novo jornal, nos apaixonamos e desapaixonamos, estamos a protestar, de modos ao mesmo tempo frívolos e profundos, contra a maçada que nunca se dissolve da vida de todos os dias. Infelizmente, um espelho é tão traiçoeiro quanto outro, e a dado momento reflecte em cada aventura o mesmo rosto insatisfeito, então ela pergunta que raio fiz eu?, na verdade quer dizer o que é que é que eu estou a fazer?, que é o que habitualmente se diz.”
“Esse ferro bem polido a mim faz-me lembrar, desculpem a divagação, dizia Florita Almada, os óculos escuros de alguns chefes políticos ou de alguns dirigentes sindicais, ou de alguns polícias. Para que tapam eles os olhos?, interrogo-me. Terão passado mal a noite a estudas formas para que o país progrida, para que os operários tenham maior segurança no trabalho ou um aumento salarial, para que a delinquência bata em retirada? Talvez. Não digo que não. Talvez as olheiras deles se devam a isso. Mas o que aconteceria se eu me aproximasse de um deles e lhe os óculos e visse que não têm olheiras? Tenho medo só de imaginar.”