“Múmias não eram mais assustadoras do que qualquer obra de arte naquele museu. Eram artefactos, coisas mortas, extintas há muito tempo, sem alma e sem sentimentos. Os vivos eram mais aterrorizadores.”
“As substâncias eram imprevisíveis e difíceis de controlar, mas por vezes os cirurgiões conseguiam operar sem os tremores convulsivos e os gemidos e gritos de dor. As receitas pareciam-lhe mais magia do que medicina”
“No tempo em que éramos felizes não chovia. Levantávamo-nos¬ juntos, abraçados ao sol. As manhãs eram um céu infinito. O nosso amor era as manhãs. No tempo em que éramos felizes o horizonte tocava-se com a ponta dos dedos. As marés traziam o fim da tarde e não víamos mais do que o olhar um do outro. Brincávamos e éramos crianças felizes. Às vezes ainda te espero como te esperava quando chegavas com o uniforme lindo da tua inocência. Há muito tempo que te espero. Há muito tempo que não vens.”
“ ... é estranho, não é, como não se sabe até que ponto alguém faz parte de nós até esse alguém ser ameaçado? E depois achas que não há possibilidade de sobreviveres se alguma coisa lhes acontece, mas a pare mais assustadora é que, na verdade, sobrevives, tens de sobreviver, com eles ou sem eles. Simplesmente não há maneira de saberes em que te tornarás.”
“Meu caro amigo (...), a vida é infinitamente mais estranha que qualquer coisa que a mente do homem possa inventar. Não nos atreveríamos a conceber coisas que são, afinal, lugares-comuns da existência. Se pudéssemos sair a voar de mão dada por aquela janela, pairar sobre esta cidade, tirar cuidadosamente os telhados e espreitar as coisas esquisitas que estão a passar-se , as estranhas coincidências, as maquinações, os objectivos cruzados, as maravilhosas cadeias de acontecimentos que vão funcionando durante gerações e levam aos resultados mais outrés, a ficção tornar-se-ia, com os seus convencionalismos e conclusões previstas, muito cediça e sem interesse.”
“Às vezes me lembro dele. Sem rancor, sem saudade, sem tristeza. Sem nenhum sentimento especial a não ser a certeza de que, afinal, o tempo passou. Nunca mais o vi, depois que foi embora. Nunca nos escrevemos. Não havia mesmo o que dizer. Ou havia? Ah, como não sei responder as minhas próprias perguntas! É possível que, no fundo, sempre restem algumas coisas para serem ditas. É possível também que o afastamento total só aconteça quando não mais restam essas coisas e a gente continua a buscar, a investigar — e principalmente a fingir. Fingir que encontra. Acho que, se tornasse a vê-lo, custaria a reconhecê-lo.”