“começou por nos explicar que distinguia muito bem entre a igreja e a fé. achava que a igreja era uma máfia de interesses. o silva da europa interrompia-o e dizia, uns filhos da mãe, a igreja é uma instituição pançuda que se deixou confortavelmente sentada ao lado de salazar. como sempre, dizia anísio, sempre do lado dos opressores porque toda a lógica da igreja é opressora, não conhecem outra linguagem.”
“Miss Whittemore sentia, em criança, que aquelas florinhas do campo eram capazes de atar as pessoas umas às outras, como as letras compões palavras, e imaginou fazer isso pelo mundo todo. Depois foi percebendo que o mundo não acabava nos muros da feitoria, como sempre achara. Então, entrou numa igreja e deixou uma flor no altar: Deus que distribuísse pelos homens.”
“Assim é, mas a vantagem da igreja é que, embora às vezes o não pareça, ao gerir o que está no alto, governa o que está em baixo.”
“E é, em suma, uma forma como outra qualquer de resolver o problema da existência, esta de nos aproximarmos das coisas e das pessoas que de longe nos pareceram belas e misteriosas o suficiente para verificarmos que não têm mistério nem beleza; é uma das higienes entre as quais podemos optar, uma higiene que talvez não seja muito recomendável, mas que nos dá uma certa calma para passarmos a vida, e também para nos resignarmos à morte - pois que permite que não lamentemos nada ao persuadir-nos de que atingimos o melhor, e de que o melhor não era grande coisa.”
“(...) Acho que foi quando percebi o que era a vergonha e também qual era a sua cor. A vergonha não é preta, como a sujidade, como eu sempre pensei que era. A vergonha é da cor de uma farda branca, nova, que a tua mãe engomou toda a noite para poder pagar, ainda branca, sem uma nódoa ou uma pinta de sujidade de trabalho.”
“(...) o peso da dor nada tem que ver com a qualidade da dor. A dor é o que se sente. Nada mais. Desisto definitivamente de me iludir com a minha força de adulto sobre o peso de uma amargura infantil. Exactamente porque toda a vida que tive sempre se me representa investida da importância que em cada momento teve. Como se eu jamais tivesse envelhecido. Exactamente porque só é fútil e ingénua a infância dos outros - quando se não é já criança.”