“Os calculistas, aqueles que vêem a vida como um jogo de astúcia que depende de uma cuidadosa avaliação de modos e meios, sempre sabem para onde estão indo e conseguem chegar lá. (...) Mas quando se trata de forças dinâmicas da vida e daqueles que personificam essas forças, tudo se torna mais difícil. As pessoas que desejam apenas atingir a auto-realização jamais sabem para onde estão indo. Nem podem sabê-lo.”
“A vida não se governa pela vontade ou pelas intenções. É uma questão de nervos, de fibras, de células lentamente elaboradas, onde se oculta o pensamento e onde as paixões têm seus sonhos. Tu podes te acreditar salvo e forte; mas um tom de cor entrevisto no aposento, um céu matinal, um certo perfume que amaste e te desperta sutis recordações, um verso de um poema esquecido que te volta à memória, uma frase musical que não tocas mais, é de tudo isto, Dorian, asseguro-te, que depende a nossa existência.”
“Nossos dias são muito curtos para que tomemos, nos próprios ombros, o peso dos erros de outrem. Cada um vive a própria vida, e paga o preço de vivê-la. Em tudo, a única pena é que, com frequência, temos que pagar um preço alto por uma única falta. E, na verdade, estamos sempre a pagar. No trato com o homem, o Destino jamais encerra as contas.Há momentos, dizem-nos os psicólogos, quando a paixão pelo pecado, ou por aquilo que o mundo chama de pecado, domina de tal maneira uma personalidade, que toda fibra do corpo, e toda célula do cérebro, parece ser instinto com impulsos receosos. Nestes momentos, homens e mulheres perdem a liberdade da vontade. Como autômatos, consciência, morta, ou então, se conseguir viver, vive apenas para dar fascínio à revolta, e encanto a desobediência. Pois todos os pecados, como não se cansam de nos lembrar os teólogos, são pecados da desobediência. Quando, dos céus, cai o espírito maior, a estrela matutina do mal, é como rebelde que cai.”
“Mas uma tonalidade de cor diferente, casual, num aposento, no céu de certa manhã, um perfume especial de que você tanto gostou, porventura, e que evoca lembranças sutis, um verso de um poema esquecido, com que você depara novamente,a cadência de uma peça musical que você já não mais tocava...Eu digo, Dorian, é de coisas como essas que nossas vidas dependem.”
“- (...) Só falou nisso de a Vida ser um jogo e assim. Sabe como é.- A Vida é um jogo, meu rapaz. A Vida é um jogo que se joga seguindo as regras.- Pois é, senhor professor. Eu sei que é. Eu sei.Um jogo, uma ova. Raio de jogo. Se calhamos do lado onde estão todos os craques, está bem que é um jogo... Concordo que é. Mas se calhamos do outro lado, onde não há craques nenhuns, então onde é que está o jogo? Nada. Jogo coisa nenhuma.”
“Nada mudou. Afastada das sombras irreais da noite, ressurge a vida, na sua realidade já conhecida. Devemos retomá-la onde a deixamos e apodera-se de nós o terrível sentimento de continuidade necessária da energia no mesmo círculo monótono de hábitos estereotipados, ou então somos presas de um desejo selvagem de que nossas pálpebras se abram um dia sobre um mundo que tivesse sido refundido nas trevas para o nosso próprio prazer, um mundo onde as coisas apresentariam novas formas e cores, que teria mudado ou que teria outros segredos, um mundo em que o passado ocuparia pouco ou nenhum lugar, em que as lembranças não sobreviveriam sob a forma inconsciente de obrigação ou de pesar, uma vez que a recordação da própria felicidade oferece amarguras, assim como a lembrança do prazer já contém sua dor.”
“No fim, o desejo era como uma doença, uma loucura, ou ambas. Deixei de pensar nos outros, desfrutava o prazer onde quer que o encontrasse e seguia adiante. Esqueci que cada pequena ação cotidiana pode fazer ou desfazer um caráter e que tudo aquilo que fazemos no segredo da alcova, teremos que confessá-lo um dia, gritando do alto dos telhados.”